Parte da sua rotina agora era essa, e seria pelos próximos meses. Acordava cedo, por volta de 5h da madrugada com a esposa e tomavam café. Por volta de 6h30, saíam de casa. Rainen dava carona para a mãe e, na maioria das vezes, oferecia também ao pai:
— Prefiro ir de ônibus. Vejo mais gente
assim — sempre respondia.
O medo
de seus familiares era uma recaída, afinal, sempre tem alguém disposto a pagar uma dose. Porém Onofre mostrava
sinais de comprometimento com o seu retorno àquele estado de vida sem bebida.
Muito desse novo compromisso estava vinculado ao finado amigo, e o pensamento
era bem simples:
“Não vou terminar como ele.”
Para
aquele horário, o ônibus que pegava geralmente vinha vazio, pois fazia o
sentido oposto ao centro da cidade, seguindo para o entorno. Eram 55
quilômetros de distância, em que o veículo levava, mais ou menos, 40 minutos
para percorrer. No trajeto, via muitas coisas interessantes: matas fechadas,
morros, grotões, chácaras, riachos, criações. Naquela ida, ele já relaxava.
Descia
na parada e caminhava por uns 10 minutos até chegar aos muros da Celar – Clínica de Reabilitação de
Dependentes Químicos. O lugar era uma grande chácara de 4 mil metros
quadrados, com dormitórios, academia, enfermaria, sala de leitura, piscina,
hortas, oficinas de trabalhos manuais… A instituição tinha capacidade para abrigar
até 110 internos, mas, naquele momento, 73 estavam em suas dependências,
divididos por sexo, substância viciante e nível de dependência. Trabalhavam
naquele lugar vários profissionais: instrutores, psicólogos, nutricionistas,
enfermeiros, cuidadores e seguranças.
Ele
se identificou e entrou. Do lado de dentro, caminhou até a fonte e se sentou no
banco ali perto, constatando:
“A
grama da borda precisa ser aparada”,
Olhou
para o relógio no pulso: 6h57.
Próximo,
um grupo caminhava para o refeitório. Acenaram e sorriram para ele, que
retribuiu. Vê-los passando o fez recordar da dificuldade dos primeiros dias.
Agora, passados alguns meses, Onofre não era interno, mas precisou ser nas
primeiras semanas de observação. Foi no período de desintoxicação que
constataram que as suas crises de abstinência eram fortes. Foram manhãs
difíceis. Não que acordasse, pois não dormia tendo insônia, então, logo cedo, a
dor de cabeça era terrível, o que amplificava a sua ansiedade e agitação.
Tremores vinham fortes, tanto que por duas vezes teve convulsões. No início, a
alimentação matinal também não foi fácil, e por duas semanas teve náuseas
seguidas por vômitos, o que o fazia se sentir fraco e debilitado. Perdeu peso.
Só teve vergonha no primeiro dia, até entender que a maioria das pessoas ali,
passou ou passava pela mesma situação.
Mas a desintoxicação funcionou bem, e as medicações potencializaram o seu efeito. E além disso, havia as outras rotinas dentro da clínica. Uma delas era a terapia de grupo, onde os internos recebiam apoio psicológico e o aconselhamento de outras pessoas que passaram pela mesma situação. Aquilo era muito válido para os que desejavam a cura do alcoolismo. Havia também a terapia nutricional, que desfazia os estragos no organismo causados pelo consumo excessivo de álcool. Por fim, a terapia ocupacional, que resgatava o paciente, reconstruindo a sua história, valorizando os pequenos afazeres e retirando o foco das substâncias. Com o apoio da família, Onofre passava por tudo isso.
Após vencer o constrangimento inicial, compartilhou com o grupo a sua vivência com a bebida. Também gostou da parte nutricional do tratamento, com pouco sal e óleo, o que ressaltava o sabor dos alimentos. Mas o que adorou foram as oficinas, sendo jardinagem a sua preferida.
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