Estava cansada.
“Fora de ritmo.”
Não tinha certeza, agora que
entrava no terceiro dia. Mesmo assim o seu contentamento era visível. Lavava,
limpava, secava, organizava. Diana já fazia de tudo um pouco como contratada da
lanchonete.
O estabelecimento era
frequentado por um público mais idoso, talvez por causa da especialidade
culinária: caldos e sopas. Ou talvez por causa de dona Clarice, a proprietária.
Mulher de certa candura, mas firme em suas ordens. Descendente de escoceses
que, numa visita ao novo continente, se entusiasmaram com o lugar e decidiram
ficar. Ela aprendeu as receitas com a mãe, mas foi a avó que lhe passou os
“truques”. Talvez esse sim, fosse o motivo de terem três unidades e estarem
planejando a ampliação da rede de restaurantes Dona Vó.
O trabalho seguia quando alguém
derramou uma tigela de sopa em uma das mesas. Rápida, Diana correu até lá,
limpou e secou mesa e chão, e acalmou a cliente, uma senhora que lhe pedia mil
desculpas:
— Não precisa se preocupar. A
garçonete já lhe trará outra porção.
— Obrigada, minha filha!
Como uma capitã que comanda
sua nau, mas da janelinha da cozinha, Clarice observava a ação e bradou:
— Uma sopa de legumes para a
mesa sete!
Habilmente o cozinheiro
parou de fatiar frutas para uma torta que faria, lavou as mãos, travou uma
tigela entre os dedos, serviu uma generosa concha de sopa e deixou a tigela
sobre a bancada. A garçonete pegou a tigela e entregou na mesa sete. Naqueles
dias, ações como aquela rendiam ao estabelecimento admiração por parte dos frequentadores,
que se traduzia em elogios, clientes, e óbvio: mais gorjetas. Foi por isso que,
ao final daquele dia, Carolina chamou Diana para conversar após o horário de
serviço:
— Eu tenho observado a forma
como você lida com as rotinas do estabelecimento. Quero que você altere o seu
jeito de trabalho.
— E como seria?
— Quando chegar, durante 3
horas, você fará a higienização do salão. Passadas essas 3 horas, você assume
como garçonete.
— Existe um motivo para ser
assim? Meu trabalho de limpeza não está satisfatório? É que ainda estou pegando
o jeito da coisa…
Clarice ficou contente com o
apontamento, e retornou um olhar sorridente para a jovem:
— Ao contrário. Muito me
agrada a limpeza que você realiza. Mas o estabelecimento tem necessidades que
são além do que eu goste ou não. Pode fazer como pedi?
— É claro. Começo amanhã
mesmo.
— Ótimo, Diana! Agora vá
porque já passou da sua hora. O Valadares lhe passará o dinheiro de hoje.
— Obrigada! E me deseje
sorte.
— Sorte? Participará de
algum sorteio?
Ambas riram com certas
ressalvas. Clarice ficou curiosa com a frase.
— Não. É que estou indo até
ao PassionFruit tentar uma vaga lá.
— Está pensando em nos
deixar?
— Também não. É apenas uma
segunda fonte de renda.
Ouvir aquilo causou certa
perturbação na dona do estabelecimento. Se pudesse a ajudaria mais porém havia
entraves jurídicos.
— Me dói ouvir isso. Queria
poder te ajudar mais, porém se eu a colocar aqui por mais de sete horas de trabalho
contínuo, teria que pagar os seus encargos trabalhistas. E você ainda não tem o
visto de permanência.
— Entendo, dona Clarice. Por
isso mesmo peço para que me deseje sorte.
— Toda possível. Até mais.
A garota pegou o que lhe era
devido e caminhou acelerado para o local onde tentaria a vaga. Da janela do
estabelecimento, no andar de cima do restaurante, Clarice observava a moça que
seguia pela calçada.
“Essa
daí tem garra.”
Se
voltou para a parte interna e, na sua agenda sobre a mesa, leu o número de Jean
Morris. Discou e aguardou.
— PassionFruit, boa tarde.
—
Jean?
—
Sim, sou eu.
— É
a Clarice, da Dona Vó.
—
Olá, Clarice. Quanto tempo. Parabéns pelo crescimento da rede. Mas você não tem
aparecido nos encontros dos empreendedores.
—
Falta-me tempo. E estou velha. Sabe como é, não é?!
— O
que é isso?! Ainda está muito bem para sua idade.
— Você
sempre um galanteador, Jean. — Riram ao telefone. — Mas agora preciso de um
favor seu.
—
Sou todo ouvidos.
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