Boin - Capítulo 025



Estava cansada.
“Fora de ritmo.”
Não tinha certeza, agora que entrava no terceiro dia. Mesmo assim o seu contentamento era visível. Lavava, limpava, secava, organizava. Diana já fazia de tudo um pouco como contratada da lanchonete.
O estabelecimento era frequentado por um público mais idoso, talvez por causa da especialidade culinária: caldos e sopas. Ou talvez por causa de dona Clarice, a proprietária. Mulher de certa candura, mas firme em suas ordens. Descendente de escoceses que, numa visita ao novo continente, se entusiasmaram com o lugar e decidiram ficar. Ela aprendeu as receitas com a mãe, mas foi a avó que lhe passou os “truques”. Talvez esse sim, fosse o motivo de terem três unidades e estarem planejando a ampliação da rede de restaurantes Dona Vó.
O trabalho seguia quando alguém derramou uma tigela de sopa em uma das mesas. Rápida, Diana correu até lá, limpou e secou mesa e chão, e acalmou a cliente, uma senhora que lhe pedia mil desculpas:
— Não precisa se preocupar. A garçonete já lhe trará outra porção.
— Obrigada, minha filha!

Como uma capitã que comanda sua nau, mas da janelinha da cozinha, Clarice observava a ação e bradou:
— Uma sopa de legumes para a mesa sete!
Habilmente o cozinheiro parou de fatiar frutas para uma torta que faria, lavou as mãos, travou uma tigela entre os dedos, serviu uma generosa concha de sopa e deixou a tigela sobre a bancada. A garçonete pegou a tigela e entregou na mesa sete. Naqueles dias, ações como aquela rendiam ao estabelecimento admiração por parte dos frequentadores, que se traduzia em elogios, clientes, e óbvio: mais gorjetas. Foi por isso que, ao final daquele dia, Carolina chamou Diana para conversar após o horário de serviço:
— Eu tenho observado a forma como você lida com as rotinas do estabelecimento. Quero que você altere o seu jeito de trabalho.
— E como seria?
— Quando chegar, durante 3 horas, você fará a higienização do salão. Passadas essas 3 horas, você assume como garçonete.
— Existe um motivo para ser assim? Meu trabalho de limpeza não está satisfatório? É que ainda estou pegando o jeito da coisa…
Clarice ficou contente com o apontamento, e retornou um olhar sorridente para a jovem:
— Ao contrário. Muito me agrada a limpeza que você realiza. Mas o estabelecimento tem necessidades que são além do que eu goste ou não. Pode fazer como pedi?
— É claro. Começo amanhã mesmo.
— Ótimo, Diana! Agora vá porque já passou da sua hora. O Valadares lhe passará o dinheiro de hoje.
— Obrigada! E me deseje sorte.
— Sorte? Participará de algum sorteio?
Ambas riram com certas ressalvas. Clarice ficou curiosa com a frase.
— Não. É que estou indo até ao PassionFruit tentar uma vaga lá.
— Está pensando em nos deixar?
— Também não. É apenas uma segunda fonte de renda.
Ouvir aquilo causou certa perturbação na dona do estabelecimento. Se pudesse a ajudaria mais porém havia entraves jurídicos.
— Me dói ouvir isso. Queria poder te ajudar mais, porém se eu a colocar aqui por mais de sete horas de trabalho contínuo, teria que pagar os seus encargos trabalhistas. E você ainda não tem o visto de permanência.
— Entendo, dona Clarice. Por isso mesmo peço para que me deseje sorte.
— Toda possível. Até mais.
A garota pegou o que lhe era devido e caminhou acelerado para o local onde tentaria a vaga. Da janela do estabelecimento, no andar de cima do restaurante, Clarice observava a moça que seguia pela calçada.
“Essa daí tem garra.”
Se voltou para a parte interna e, na sua agenda sobre a mesa, leu o número de Jean Morris. Discou e aguardou.
PassionFruit, boa tarde.
— Jean?
— Sim, sou eu.
— É a Clarice, da Dona Vó.
— Olá, Clarice. Quanto tempo. Parabéns pelo crescimento da rede. Mas você não tem aparecido nos encontros dos empreendedores.
— Falta-me tempo. E estou velha. Sabe como é, não é?!
— O que é isso?! Ainda está muito bem para sua idade.
— Você sempre um galanteador, Jean. — Riram ao telefone. — Mas agora preciso de um favor seu.
— Sou todo ouvidos.

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