As vistas estavam
embaralhadas, parecia ter areia em seus olhos. Os músculos doíam, e as
articulações também. Cada passo dado era com um sacrifício hercúleo como se,
assim como Atlas, carregasse o mundo nas costas. Na boca um gosto estranho de
quem varou a noite acordado. Foi com dificuldade que conseguiu acertar o buraco
da fechadura e girar a chave abrindo a porta. Trancar nem se fala. Desatou tudo
o que podia de roupa e equipamentos, deixando cair no chão da sala e, num
último mover de suas combalidas energias, correu para o quarto, desabando na
cama. A maciez, o cheiro adocicado, a sensação de acolhimento. Pedro apagou
quase sem sentidos. Eram 5 horas da madrugada. Quatro horas depois o telefone
toca insistentemente: uma sequência, duas sequências, três sequências… oito sequências
e, moído ele levantou:
— Alô! — Balbuciou
sonolento.
— Está atrasado para o trabalho.
Ele desligou o aparelho,
pensando se tratar de um trote. Quando ia chegando no quarto o telefone tocou
novamente.
— Alô! — Dessa vez um pouco
mais consciente, mas não tanto.
— Não é um sonho, Pedro. Eu
estou te ligando para chamar para o trabalho.
— Hoje é folga, Mirtis. Esse
foi o acordo com o Enéas.
— Enéas? Que Enéas?
— Ora o sub-gerente de
operações.
— Ah tá. Você fala do ex-funcionário Enéas? O que foi demitido
essa manhã?
Ele permaneceu mudo por um
instante, tentando colocar a cabeça no lugar.
— O Enéas foi demitido?
— Coitado, não é? Mas
empresas são assim mesmo. Agora venha ou o seu nome entra pra lista neg…
A ligação ficou muda antes
que Mirtis terminasse a frase, pois Pedro apertou o gancho e em seguida
desconectou a linha do aparelho. Naquele estado de embriaguez de sono, ele não queria
falar e nem fazer nada. Apenas voltou para o quarto e apagou.
O
frio seguia intenso. Cada montanha parecia mais alta que a anterior, e ele
sabia bem, pois a dificuldade em escalá-las apenas aumentava. Isso sem falar nas
descidas que precisavam ser feitas com muito cuidado. Um passo em falso e
desceria rolando por íngremes encostas. Em uma das descidas, numa das mais
altas das montanhas, causou uma avalanche e teve a nítida impressão de que o
resultado foi o surgimento de uma montanha, tão alta quanto a que estava. Em
meio à cadeia, viu rios congelados, lagos de gelo, cachoeiras em pedras
“d’água”. Em um dos contrafortes da 34ª montanha (não que ele estivesse
contando), foi golpeado por violenta tempestade de neve e, por longo tempo,
ficou abrigado sob uma pequena floresta congelada. Mas em tudo ali, viu uma
beleza gélida que, ao seu modo, o cativou.
Contudo
agora, boa parte daquilo, ficara para trás. A temperatura, baixa, começou a
elevar. O vento abrandara e o rapaz já conseguia ver uma ou outra vegetação sem
a cobertura de neve. Pedro caminhou até um penhasco e, olhando à sua frente,
viu algo brilhoso, não apenas um, mas vários, serpenteando por entre
vegetações.
“Rios?”
Ao
olhar para a sua direita, viu que o gelo das montanhas se descongelava,
formando as águas que seguiam para aqueles fluxos. Mas o aspecto dos rios era
diferente, com linhas muito retas, ou curvas, parecendo que foram desenhados
propositalmente. Mesmo assim ele ficou feliz com a visão. Eram mui belos e, por
onde passavam a vegetação se erguia mais firme, mais vívida.
“Mas… porque não vejo qualquer ser vivo?”
Fato.
Desde que começara a sua jornada, ainda nas praias do mar, excluindo a
vegetação, não vira qualquer outro ser vivo. Exceto por “aquilo”. Talvez
houvesse uma razão de ser.
“Talve…”
O
pensamento foi interrompido quando, um facho de luz irrompeu por entre as
nuvens, clareando um ponto muito à frente, exatamente num lugar onde uma
vegetação mais densa aparecia.
Ciente
de que precisava descer, olhou para baixo, vendo a queda íngreme e perigosa.
Fitou para o lado e viu que, a desembocadura criava uma cachoeira e que, 500
metros abaixo, encontrava o início dos rios que talvez o levassem até o seu
objetivo.
“Mas
descer como?”
Com
a dúvida em mente, Pedro se sentou, recostou em uma rocha, e acordou.
[Quedas d’Água de Celiel]
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