Ardes - Capítulo 141

 

Naquele mesmo horário, mas do outro lado da cidade, a luz de um quarto foi acesa. Havia serenidade nos olhos de Margareth. Suave, ela cochichou em seu ouvido.

— Astor… água.

Ainda sonolento ele ouviu, mas virou-se para o lado.

— Astor… amor…

Ele deu um pulo da cama.

— O quê? O quê?

— Calma. — Ela também tentava se acalmar. — Pega as bolsas que preparamos.

Quando ele olhou novamente, percebeu que o colchão estava molhado.

— A bolsa estourou? — sua voz era aflitiva.

— Sim. Mas calma! Está tudo sob controle. Agora eu vou tomar um banho, enquanto você se organiza, tudo bem?

— Tudo…

Ele mentiu, mas Margareth não se incomodou e foi ao banheiro. Aproveitando o instante, Astor fez algumas ligações. Logo após, se vestiu e pegou as coisas.

Vinte minutos depois, a garota saiu do banheiro, vestiu roupas mais folgadas e ele se juntou a ela, segurando em seu braço.

— Você está tremendo, Astor?

— Não consigo me controlar. É muita emoção.

Ouvir aquelas palavras a fez sorrir. Juntos, desceram pelo elevador até a garagem e, de carro, seguiram ao hospital. No caminho, tentavam conversar para aliviar a tensão.

— Liguei pra minha mãe, avisando que estamos indo para a maternidade.

— Não precisava incomodá-la.

— No fundo, acho que ela até gosta.

— Mesmo sendo o nono neto? — A garota riu.

— É… a família está em expansão… fazer o que, né?!

Quando estacionavam o carro, na frente do hospital, dois ônibus estavam ali. Do lado de fora, um grupo de aproximadamente 100 pessoas empunhando faixas e cartazes com palavras e dizeres positivos.

 

MARGARETH E CRIA, BEM-VINDOS À FAMÍLIA!

ASTOR — O POVOADOR

MARGARETH — ÚTERO DE FERRO

ASTOR E MARGARETH, MUITA PROSPERIDADE!

 

Foram algumas das frases que ela leu, antes de o carro parar.

— “Útero de ferro, e “Povoador?” Sei não, acho que a sua família está com a impressão errada sobre mim.

— Gaulê…

— Ai! — ela gritou, com a vinda repentina da dor. — Astor!

— Margareth! — Ele desceu do carro e deu a volta. — Vem comigo!

Ele passou a alça das bolsas entre o pescoço e o peito e ergueu a garota. Quando subia a escadaria, Lucrécia acenou para eles.

— Força e saúde!

— Obrigado, mãe.

— Eles não vem te ajudar? — Margareth sentia a dor diminuir.

— Não. Tem coisas que vivenciaremos apenas nós. Essa é uma delas.

Assim que subiu o último lance de escadas, um enfermeiro os aguardava com uma cadeira de rodas.

— Obrigado.

E entravam no hospital quando a dor veio novamente.

— Não era pra estar tão rápida — observou Margareth.

— Amor, respira. Respira!

Um médico se aproximou e ele o reconheceu.

— Tavinho? — Era um dos tantos primos que ele tinha.

— Olá, Astor. Como está a Margareth?

— Tendo contrações.

— Ok. Vamos levá-la para o quarto.

Pegaram o elevador e, na subida, Margareth teve outra forte contração. Ao seu lado, Astor não parava de pedir.

— Respira! Respira, amor!

Já no quarto, o médico mediu da dilatação.

— Tá quase, Margareth — avisou Tavinho. — Vamos levá-la para sala de parto. Tem uma sala de espera bem em frente.

— Tudo bem.

Astor respirou fundo e acompanhou o grupo até a porta da sala, dali foi para o local de espera. Havia mais dois homens ali aguardando. O rapaz aparentava ter não mais que 17 anos, e o senhor de cabelos brancos, mais de 60.

“Vida impressionante!”,

Em seguida, uma enfermeira apareceu.

— Senhor, Rafael.

— Eu — respondeu ansioso o rapaz.

— Meus parabéns! São duas meninas. — O rapaz lacrimejou ao se levantar. — O senhor pode vê-las agora.

Conseguiu dar os primeiros passos e seguiu a enfermeira.

— Rapaz de sorte! — comentou o senhor de cabelos brancos.

— É verdade — Astor falou, mas mal conseguia pensar em outra coisa. — O senhor está acompanhando?

— Não. Minha esposa está aí. Sei que parece estranho, um homem da minha idade na maternidade, mas é a vida… — Ele abriu o coração e foi mais fundo: — Aos 40 anos, ela nunca teve filhos. Eu a encontrei no dia em que ela abandonou o convento. Naquela carona, nos apaixonamos e depois nos casamos. A meu ver, a gestação aconteceu por descuido. Segundo ela, por intervenção divina.

Riam quando a mesma enfermeira reapareceu.

— Senhor Rodrigues! — Ele se pôs de pé. — Parabéns! São três meninos saudáveis. O senhor pode vê-los se quiser.

Ele olhou para Astor, sorrindo.

— É, ainda sou bom em fazer menino.

E ele acompanhou a enfermeira.

Por algum tempo, Astor aguardou sem ter qualquer notícia, até que a moça reapareceu.

— Senhor Astor! — Ele estava diante dela. — Parabéns! Veio com saúde e força.

— É menino ou menina? — Havia angústia na pergunta.

— Sua esposa pediu para não avisá-lo. Por favor, me acompanhe.

Foram os 25 metros mais longos da vida de Astor, mas todo esse sentimento se desfez quando viu Margareth e a criança. Chorando, foi ao encontro dos dois.

— Amo vocês! Amo vocês! — E a beijou. — E quem você trouxe pra mim?

— É um lindo rapazinho, papai. Um lindo rapazinho!

Choravam e riam juntos.

— Você é bem-aventurada, Margareth.

— Somos, Astor. Nós somos!

A enfermeira entrou, avisando:

— Agora precisam descansar, papai.

Ele a abraçou.

— Estarei aguardando.

E desceu para dar a notícia. Abraçou o pai e a mãe quando gritou:

— É um menino!

Familiares e parentes o felicitaram. A mãe o beijou, o pai apertou suas mãos. Seus irmãos e irmãs diziam coisas como: “Bem-vindo ao time!”, “Mais um primo!”, “Já marca o futebol!”. Os parentes falavam diferente: “Mais um neto para mimar, Teodoro!” e riam; “Mais um pra correr atrás, Lucrécia!”, “Eu não aguento tanta meninada!”, “Ao menos menino homem gasta menos.”, “Tô com fome!”, “Comida e bebida na casa de Lucrécia e Teodoro!”.

Do hospital o comboio seguiu para a casa de Astor. Ali improvisaram uma comemoração.

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