Naquele mesmo horário, mas do outro lado da cidade, a luz de um quarto foi acesa. Havia serenidade nos olhos de Margareth. Suave, ela cochichou em seu ouvido.
—
Astor… água.
Ainda
sonolento ele ouviu, mas virou-se para o lado.
—
Astor… amor…
Ele
deu um pulo da cama.
— O
quê? O quê?
—
Calma. — Ela também tentava se acalmar. — Pega as bolsas que preparamos.
Quando ele olhou novamente, percebeu que o colchão estava molhado.
— A
bolsa estourou? — sua voz era aflitiva.
—
Sim. Mas calma! Está tudo sob controle. Agora eu vou tomar um banho, enquanto
você se organiza, tudo bem?
—
Tudo…
Ele
mentiu, mas Margareth não se incomodou e foi ao banheiro. Aproveitando o
instante, Astor fez algumas ligações. Logo após, se vestiu e pegou as coisas.
Vinte
minutos depois, a garota saiu do banheiro, vestiu roupas mais folgadas e ele se
juntou a ela, segurando em seu braço.
—
Você está tremendo, Astor?
—
Não consigo me controlar. É muita emoção.
Ouvir
aquelas palavras a fez sorrir. Juntos, desceram pelo elevador até a garagem e,
de carro, seguiram ao hospital. No caminho, tentavam conversar para aliviar a
tensão.
—
Liguei pra minha mãe, avisando que estamos indo para a maternidade.
—
Não precisava incomodá-la.
— No
fundo, acho que ela até gosta.
—
Mesmo sendo o nono neto? — A garota riu.
— É…
a família está em expansão… fazer o que, né?!
Quando
estacionavam o carro, na frente do hospital, dois ônibus estavam ali. Do lado
de fora, um grupo de aproximadamente 100 pessoas empunhando faixas e cartazes com
palavras e dizeres positivos.
MARGARETH E CRIA, BEM-VINDOS
À FAMÍLIA!
ASTOR — O POVOADOR
MARGARETH — ÚTERO DE FERRO
ASTOR E MARGARETH, MUITA
PROSPERIDADE!
Foram
algumas das frases que ela leu, antes de o carro parar.
— “Útero
de ferro”, e “Povoador?” Sei não,
acho que a sua família está com a impressão errada sobre mim.
—
Gaulê…
—
Ai! — ela gritou, com a vinda repentina da dor. — Astor!
—
Margareth! — Ele desceu do carro e deu a volta. — Vem comigo!
Ele
passou a alça das bolsas entre o pescoço e o peito e ergueu a garota. Quando
subia a escadaria, Lucrécia acenou para eles.
—
Força e saúde!
—
Obrigado, mãe.
—
Eles não vem te ajudar? — Margareth sentia a dor diminuir.
—
Não. Tem coisas que vivenciaremos apenas nós. Essa é uma delas.
Assim
que subiu o último lance de escadas, um enfermeiro os aguardava com uma cadeira
de rodas.
—
Obrigado.
E
entravam no hospital quando a dor veio novamente.
—
Não era pra estar tão rápida — observou Margareth.
—
Amor, respira. Respira!
Um
médico se aproximou e ele o reconheceu.
—
Tavinho? — Era um dos tantos primos que ele tinha.
—
Olá, Astor. Como está a Margareth?
—
Tendo contrações.
—
Ok. Vamos levá-la para o quarto.
Pegaram
o elevador e, na subida, Margareth teve outra forte contração. Ao seu lado,
Astor não parava de pedir.
—
Respira! Respira, amor!
Já
no quarto, o médico mediu da dilatação.
— Tá
quase, Margareth — avisou Tavinho. — Vamos levá-la para sala de parto. Tem uma
sala de espera bem em frente.
—
Tudo bem.
Astor
respirou fundo e acompanhou o grupo até a porta da sala, dali foi para o local
de espera. Havia mais dois homens ali aguardando. O rapaz aparentava ter não
mais que 17 anos, e o senhor de cabelos brancos, mais de 60.
“Vida
impressionante!”,
Em
seguida, uma enfermeira apareceu.
—
Senhor, Rafael.
— Eu
— respondeu ansioso o rapaz.
—
Meus parabéns! São duas meninas. — O rapaz lacrimejou ao se levantar. — O
senhor pode vê-las agora.
Conseguiu
dar os primeiros passos e seguiu a enfermeira.
—
Rapaz de sorte! — comentou o senhor de cabelos brancos.
— É
verdade — Astor falou, mas mal conseguia pensar em outra coisa. — O senhor está
acompanhando?
—
Não. Minha esposa está aí. Sei que parece estranho, um homem da minha idade na
maternidade, mas é a vida… — Ele abriu o coração e foi mais fundo: — Aos 40
anos, ela nunca teve filhos. Eu a encontrei no dia em que ela abandonou o
convento. Naquela carona, nos apaixonamos e depois nos casamos. A meu ver, a
gestação aconteceu por descuido. Segundo ela, por intervenção divina.
Riam
quando a mesma enfermeira reapareceu.
—
Senhor Rodrigues! — Ele se pôs de pé. — Parabéns! São três meninos saudáveis. O
senhor pode vê-los se quiser.
Ele
olhou para Astor, sorrindo.
— É,
ainda sou bom em fazer menino.
E
ele acompanhou a enfermeira.
Por
algum tempo, Astor aguardou sem ter qualquer notícia, até que a moça
reapareceu.
—
Senhor Astor! — Ele estava diante dela. — Parabéns! Veio com saúde e força.
— É
menino ou menina? — Havia angústia na pergunta.
—
Sua esposa pediu para não avisá-lo. Por favor, me acompanhe.
Foram
os 25 metros mais longos da vida de Astor, mas todo esse sentimento se desfez
quando viu Margareth e a criança. Chorando, foi ao encontro dos dois.
—
Amo vocês! Amo vocês! — E a beijou. — E quem você trouxe pra mim?
— É
um lindo rapazinho, papai. Um lindo rapazinho!
Choravam
e riam juntos.
—
Você é bem-aventurada, Margareth.
—
Somos, Astor. Nós somos!
A
enfermeira entrou, avisando:
—
Agora precisam descansar, papai.
Ele
a abraçou.
—
Estarei aguardando.
E
desceu para dar a notícia. Abraçou o pai e a mãe quando gritou:
— É
um menino!
Familiares e parentes o felicitaram. A mãe o beijou, o pai apertou suas mãos. Seus irmãos e irmãs diziam coisas como: “Bem-vindo ao time!”, “Mais um primo!”, “Já marca o futebol!”. Os parentes falavam diferente: “Mais um neto para mimar, Teodoro!” e riam; “Mais um pra correr atrás, Lucrécia!”, “Eu não aguento tanta meninada!”, “Ao menos menino homem gasta menos.”, “Tô com fome!”, “Comida e bebida na casa de Lucrécia e Teodoro!”.
Do hospital o comboio seguiu para a casa de Astor. Ali improvisaram uma comemoração.
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