Ardes - Capítulo 120

 

Abriu os olhos com certa dificuldade, e, ao fazê-lo, se viu em um quarto. Ao lado da sua cama, uma poltrona. Nela, Letícia repousava serena. Um cobertor a protegia do frio do lugar.

“Pela escuridão, é noite, mas que horas?”.

Procurou o relógio sobre o criado, mas não encontrou. Naquele silêncio, ficou mais reflexivo, se recordando de Badé e suas palavras. Foi o exato instante em que o enfermeiro entrou.

— Ah… que bom que já acordou.

— Por favor, quantas horas?

O rapaz olhou para o relógio de pulso.

— Dez da noite. — E continuou sua verificação rotineira.

O barulho despertou Letícia, que se espreguiçou e, vendo Onofre acordado, levantou e se aproximou da cama. Ali o questionou:

— Como está se sentindo?

— Você não deveria estar aqui — ele ignorou a pergunta.

— E onde mais eu estaria, senão aqui?

A resposta estava arraigada em cumplicidade, e aquilo o incomodou.

— Você tem trabalho amanhã cedo.

Após a rápida verificação e reposição do soro, o enfermeiro saiu.

— E qual seria a minha prioridade?

A cada resposta, Onofre se sentia mais desconcertado. Aquelas palavras o levavam a breves reflexões as quais evitou nos últimos meses.

— Eu não queria você aqui — foi o que conseguiu dizer, virando o rosto para o outro lado.

— Também não queria estar aqui. Também não queria que você estivesse nessas condições — ela disse, voltando para a poltrona e se sentando.

A sensação piorava.

— Então vá pra casa. Amanhã precisa traba…

— Ao inferno com o trabalho! — gritou irritada. — Se preciso for, eu deixo o serviço.

— Não fará isso! Eu não permito!

Ela olhou para a janela, vendo o negrume da noite.

— Há muitos anos, eu fiz uma promessa. Há muitos anos, eu dei a minha palavra. — Olhou de volta para Onofre. — Você estava lá. Compartilhava daquele momento comigo. Saiba que, custe o que custar, eu cumprirei a minha palavra.

— Não serei eu a estragar mais ainda a sua vida.

— O que pretende fazer?

Onofre retirou o lençol que o cobria e o lançou aos pés da cama. Naquele exato instante, entraram Renata e Rainen.

— Pai?

— Senhor Onofre?! Como se sente?

— Vou melhorar assim que sairmos daqui — respondeu, indo ao banheiro. — Filho, por favor, pegue minhas roupas no armário.

— Te deram alta?

— Claro que não, mas sairei assim mesmo.

Rainen obedeceu, levou as roupas até a porta do banheiro.

— Como faremos para sair? Tantas pessoas juntas levantarão suspeitas.

— É Rainen, me parece que você fez a escolha certa. Sua noiva é bem sensata. — E sorriu para ambos.

Letícia não queria sair daquela forma, mas sabia que o marido era cabeça dura. Quando olhou para Onofre, ele já estava trajado e saindo do banheiro.

— E agora? — perguntou o rapaz.

— Vamos em duplas. Vou na frente com a sua mãe, contem uns 5 minutos e venham em seguida.

— Ok!

Conseguiram o seu intento e, em 10 minutos, a caminhonete deixava a frente do hospital. Passados mais 10 minutos, Onofre pediu:

— Estaciona naquele churrasquinho.

— Quer comer? — perguntou Rainen.

— Não. Preciso de álcool.

É claro que todos reclamaram. Onofre aguardou um tempo e perguntou:

— Agora posso me explicar? — Todos consentiram. — Eu vim para o hospital devido a uma crise de abstinência. Significa que estou dependente e que, sem esse líquido, terei outras crises.

Letícia não conseguiu se segurar e chorou.

— Calma, mãe! O que ele falou é verdade.

— Dona Letícia, estamos juntos nessa situação. — Renata a abraçou.

— Obrigada! — Enxugava as lágrimas.

Onofre continuou:

— Eu quero sair dessa, e para isso… — Fez uma pausa e sua voz ficou mais compassada. — Vou me internar em uma clínica de desintoxicação.

— Onofre… — A esposa o abraçou, chorando. — Você fará isso?

Eles desceram do carro e foram para uma das mesas.

— O quanto antes! — E pediu: — Me serve uma dose dupla de conhaque.

— Ao menos coma alguma coisa. — E ela pediu: — Moço, retalha algumas carnes, por favor.

E o atendente o fez.

Enquanto isso, Rainen e Renata conversavam:

— Tive uma ideia — disse Renata —, preciso de um orelhão.

Após alguns minutos de ligação, a garota voltou.

— E aí? — perguntou Rainen.

— Liguei para o doutor Sandro, expliquei a situação e ele me indicou uma clínica.

— Longe quantos quilômetros? — perguntou Onofre.

— Segundo ele, fica no entorno da cidade. Se quiserem, podemos ir lá amanhã — disse olhando para Rainen.

— Não! — Onofre fez uma pausa. — Vamos agora!

Ele limpou a boca, pegou mais uma dose de conhaque e embarcaram novamente. Rainen não pensou duas vezes e saiu com o veículo.

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