Abriu os olhos com certa dificuldade, e, ao fazê-lo, se viu em um quarto. Ao lado da sua cama, uma poltrona. Nela, Letícia repousava serena. Um cobertor a protegia do frio do lugar.
“Pela
escuridão, é noite, mas que horas?”.
Procurou
o relógio sobre o criado, mas não encontrou. Naquele silêncio, ficou mais
reflexivo, se recordando de Badé e suas palavras. Foi o exato instante em que o
enfermeiro entrou.
—
Ah… que bom que já acordou.
—
Por favor, quantas horas?
O
rapaz olhou para o relógio de pulso.
—
Dez da noite. — E continuou sua verificação rotineira.
O
barulho despertou Letícia, que se espreguiçou e, vendo Onofre acordado,
levantou e se aproximou da cama. Ali o questionou:
— Como está se sentindo?
—
Você não deveria estar aqui — ele ignorou a pergunta.
— E
onde mais eu estaria, senão aqui?
A
resposta estava arraigada em cumplicidade, e aquilo o incomodou.
—
Você tem trabalho amanhã cedo.
Após
a rápida verificação e reposição do soro, o enfermeiro saiu.
— E
qual seria a minha prioridade?
A
cada resposta, Onofre se sentia mais desconcertado. Aquelas palavras o levavam
a breves reflexões as quais evitou nos últimos meses.
— Eu
não queria você aqui — foi o que conseguiu dizer, virando o rosto para o outro
lado.
—
Também não queria estar aqui. Também não queria que você estivesse nessas
condições — ela disse, voltando para a poltrona e se sentando.
A
sensação piorava.
—
Então vá pra casa. Amanhã precisa traba…
— Ao
inferno com o trabalho! — gritou irritada. — Se preciso for, eu deixo o
serviço.
—
Não fará isso! Eu não permito!
Ela
olhou para a janela, vendo o negrume da noite.
— Há
muitos anos, eu fiz uma promessa. Há muitos anos, eu dei a minha palavra. —
Olhou de volta para Onofre. — Você estava lá. Compartilhava daquele momento
comigo. Saiba que, custe o que custar, eu cumprirei a minha palavra.
—
Não serei eu a estragar mais ainda a sua vida.
— O
que pretende fazer?
Onofre
retirou o lençol que o cobria e o lançou aos pés da cama. Naquele exato
instante, entraram Renata e Rainen.
—
Pai?
—
Senhor Onofre?! Como se sente?
—
Vou melhorar assim que sairmos daqui — respondeu, indo ao banheiro. — Filho,
por favor, pegue minhas roupas no armário.
— Te
deram alta?
—
Claro que não, mas sairei assim mesmo.
Rainen
obedeceu, levou as roupas até a porta do banheiro.
—
Como faremos para sair? Tantas pessoas juntas levantarão suspeitas.
— É Rainen,
me parece que você fez a escolha certa. Sua noiva é bem sensata. — E sorriu
para ambos.
Letícia
não queria sair daquela forma, mas sabia que o marido era cabeça dura. Quando
olhou para Onofre, ele já estava trajado e saindo do banheiro.
— E
agora? — perguntou o rapaz.
—
Vamos em duplas. Vou na frente com a sua mãe, contem uns 5 minutos e venham em
seguida.
—
Ok!
Conseguiram
o seu intento e, em 10 minutos, a caminhonete deixava a frente do hospital.
Passados mais 10 minutos, Onofre pediu:
—
Estaciona naquele churrasquinho.
—
Quer comer? — perguntou Rainen.
— Não.
Preciso de álcool.
É
claro que todos reclamaram. Onofre aguardou um tempo e perguntou:
—
Agora posso me explicar? — Todos consentiram. — Eu vim para o hospital devido a
uma crise de abstinência. Significa que estou dependente e que, sem esse
líquido, terei outras crises.
Letícia
não conseguiu se segurar e chorou.
—
Calma, mãe! O que ele falou é verdade.
—
Dona Letícia, estamos juntos nessa situação. — Renata a abraçou.
—
Obrigada! — Enxugava as lágrimas.
Onofre
continuou:
— Eu
quero sair dessa, e para isso… — Fez uma pausa e sua voz ficou mais compassada.
— Vou me internar em uma clínica de desintoxicação.
—
Onofre… — A esposa o abraçou, chorando. — Você fará isso?
Eles
desceram do carro e foram para uma das mesas.
— O
quanto antes! — E pediu: — Me serve uma dose dupla de conhaque.
— Ao
menos coma alguma coisa. — E ela pediu: — Moço, retalha algumas carnes, por
favor.
E o
atendente o fez.
Enquanto
isso, Rainen e Renata conversavam:
—
Tive uma ideia — disse Renata —, preciso de um orelhão.
Após
alguns minutos de ligação, a garota voltou.
— E
aí? — perguntou Rainen.
—
Liguei para o doutor Sandro, expliquei a situação e ele me indicou uma clínica.
—
Longe quantos quilômetros? — perguntou Onofre.
— Segundo
ele, fica no entorno da cidade. Se quiserem, podemos ir lá amanhã — disse
olhando para Rainen.
— Não! — Onofre fez uma pausa. — Vamos agora!
Ele limpou a boca, pegou mais uma dose de conhaque e embarcaram novamente. Rainen não pensou duas vezes e saiu com o veículo.
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