Ardes - Capítulo 075

 

Ele olhou no relógio.

“7h55”

Girou um pouco o volante, desacelerou e parou o veículo.

Renata estava a pino na porta de casa. Vestido de estampa florida, sapatilha de cor laranjada e bolsa amarela. O cabelo preso por uma fita também laranjada. Atrás dela, os pais ainda de pijama e com cara de sono.

— Bom dia, Rainen!

— Bom dia, pessoal!

— Bom dia, amor! — E Renata lhe deu um selinho.

Seu sorriso era radiante.

A pergunta veio automática, pois era uma preocupação real:

— Como está a Bruna?

— Acho que passou a noite bem. Antes de dormir, lhe demos um chá.

— Que bom! — Ele até se surpreendeu com a própria resposta. — Bem, precisamos ir.

— Você vem para o almoço?

— Ainda não sei, senhora Elizabeth. Tudo leva a crer que sim, mas imprevistos acontecem.

— Tudo bem.

Despediram-se e a caminhonete partiu.

Oculta por uma cortina, Bruna assistiu toda a cena. Não gostou nada do que viu.

Fazia quinze minutos que transitavam pela rodovia. Rainen gostava de testar os seus equipamentos no limite da operação, mas, como estava acompanhado, não ultrapassou os 150 km/h. A viagem seguia tranquila, quando Renata começou:

— Tem coisas que ainda estou descobrindo sobre mim. — Ela olhava a paisagem através do vidro semiaberto. — Mas ainda tenho dúvidas.

Ele ouvia atentamente aquelas palavras.

— Olha, não sei o quanto posso te ajudar, mas tenta ir com calma.

— É uma cobrança interna. Não tem ligação com você.

— Não tem? — Ele a fitou sério. — Tudo o que te afeta, me afeta também.

Ali ela constatou que essa sensação era semelhante.

— Desculpe. — E os olhos de Renata marejaram.

— Não chore. — Ele a observava de vez em quando. — Entenda, somos jovens, temos tempo para aprender e vivenciar as coisas.

— Fico observando e, às vezes, as coisas parecem ir tão lentas.

— Amor, vamos viver um dia após o outro. É controlar a ansiedade e construir a nossa felicidade.

Rainen segurou e apertou a mão e Renata, que recostou ao seu lado.

— Sou refém do seu amor.

— Apenas me ame, isso me faz bem.

E se beijaram.

A viagem seguiu tranquila e rápida. Às 9h20, a caminhonete estacionava diante do ferro-velho fechado. Cães ferozes latiram, reagindo à chegada dos estranhos. Assim que pararam, do outro lado da rua, um homem de meia-idade se aproximou do veículo.

— Por favor, o Sr. Bitus — o rapaz pediu a informação.

— Tá falando com ele — respondeu o homem um pouco desconfiado.

— Eu sou Rainen e ela é Renata. Jimmy deve ter falado com o senhor sobre uma embreagem usada.

— Sim, ele me falou. — Bitus se mantinha na defensiva. — Mas não disse que viria acompanhado.

— Coisa de última hora.

— Eu separei as peças. Na arrumação, acabei encontrando cinco.

Ele destrancou um portão pequeno e entrou, prendendo os cães. Em seguida, o casal entrou.

O escritório de Bitus era pequeno, com espaço para, no máximo, cinco pessoas. Num canto, abaixo da mesa, a caixa com as peças usadas. Rainen sentiu uma satisfação ao vê-las, mas não seria fácil levá-las dali.

— E quanto está cobrando por peça?

— Cem dólares.

O preço alto incomodou o rapaz, mas ele não reclamou.

— O valor excede o que eu tinha planejado.

— Posso fazer por 95.

— Mesmo assim, fica alto.

Bitus tentou fomentar mais.

— Pensa bem, garoto, o seu pai vai poder rodar de novo com o calhambeque dele.

— Não é para o meu pai — informou Rainen.

— Então o seu cliente vai te pagar bem pelo serviço.

— Também não é para cliente — respondeu.

Renata observava.

— Agora fiquei curioso. O que vai fazer com essa embreagem?

— Bem. Lá no meu serviço tem um jipe em manutenção há bastante tempo. Aquilo tem me incomodado. Não gosto que as coisas não cumpram as funções para as quais foram construídas, principalmente em se tratando de carros.

— Você está pensando em fazer o serviço sem cobrar?

— E se possível, sem que saibam.

— Atitudes como a sua não se veem com frequência hoje em dia. — Bitus olhou para o casal de cima a baixo e falou: — Quarenta dólares.

— Aceito, Bitus.

— Espero que consiga fazer a manutenção.

Rainen escolheu a peça em melhor estado de conservação e foram embora.

— Está com fome? — perguntou para a garota.

— Assistindo à negociação até me esqueci, mas estou sim.

— Acho que vi uma padaria por aqui. — Olhou pelos lados até encontrá-la. — Ali.

— Acha que é seguro?

Rainen estacionou e eles desembarcaram.

— Tá falando de quê? De comer aqui?

— Sim.

— Não se preocupe, depois de algum tempo com o Tony, aprendi a selecionar. Se não for seguro, te aviso.

Renata sorriu, mas manteve certa preocupação.

O atendente chegou e eles pediram:

— Um misto e um pingado grande. — O rapaz olhou para ela.

— Um pão de queijo e café.

— Só isso? Tem umas iguarias interessantes aqui — apontou Rainen.

— Isso me basta. Obrigada!

— É tudo! — falou para o atendente.

Rainen olhou as estufas e a aparência dos lanches.

“Nada de anormal.”

— Você gosta de tomar café em padarias?

— Quebra um galho, mas claro que prefiro em casa — O atendente entregou os lanches.

— O meu café não é muito bom.

Rainen percebeu a seriedade com que Renata falou.

— Olha, eu posso fazer o café enquanto você domina a técnica. — Ele riu. — Podemos revezar.

Renata riu encabulada.

— Tudo bem. — Ela aceitou a proposta e mordeu o pão-de-queijo. — Bem saboroso.

— Também gostei do misto quente.

Em pouco mais de 20 minutos, a caminhonete entrava na rodovia, ganhando velocidade sobre um asfalto quase sem imperfeições.

— Precisamos ir para casa agora?

Ele ponderou um pouco.

— Tem outra ideia?

— Vi um lago próximo à rodovia. Quem sabe não poderíamos ir até lá?

Logo adiante a placa informando sobre uma área de lazer à beira do lago.

— Podemos, mas é melhor avisarmos.

Próximo dali havia um posto de combustível. Além de ligar, aproveitaria para abastecer. Entregou duas fichas para Renata e esta foi até o orelhão.

— Pai, vamos atrasar um pouco, pois estamos indo para o lago Hees. Chegaremos por volta de 13 horas. Tudo bem, tomaremos cuidado. Beijo!

Terminada a ligação, ela voltou para junto do rapaz.

— E então?

— Tudo bem para eles.

— Ótimo. Aqui eu também já terminei.

No balcão, Rainen pagou pelo combustível. Subiram na caminhonete e viraram à direita, rumo ao camping. Foram sete minutos até chegarem. Ali, à beira do lago, pessoas se divertiam: amigos, parentes, amantes. O lugar era propício para aquelas reuniões.

O casal até queria chegar discretamente, mas o barulho potente do motor não permitiu e todos olharam para eles. Mas, concentrados um no outro, Rainen e Renata nem perceberam.

— Nossa, aqui é lindo!

— Demais.

De mãos dadas, caminhavam pela margem. O caminho era formado por areia e pequenas pedras. Vez ou outra, um galho ou rochedo que adentrava as águas.

Rainen tirou o sapato e dobrou a barra da calça jeans. Renata não precisou se preocupar com isso, pois a água não chegava nem na metade de suas canelas, mas retirou as sandálias.

— Pensei que estivesse mais fria.

— Talvez pela época do ano… — explicou o rapaz.

— Verdade. — Mas não era aquilo o que ela queria falar, então tomou coragem. — Rainen, você está gostando de nosso relacionamento?

— Me é bem agradável. Não imaginei que um namoro fosse assim.

As palavras lançaram uma onda de leveza ao coração de Renata. Ela saiu correndo, e ele foi atrás, até que a alcançou e a agarrou. Abraços e beijos foram o tom daquele momento especial.

Foi próximo das 11h que pegaram novamente a rodovia.

— Acho que conseguiremos chegar na hora.

E Rainen pisou fundo, sentindo toda a estrutura do carro corresponder à sua imposição. O motor despejou potência nas rodas, fazendo o conta-giros quase marcar o seu máximo. O escapamento urrou. A força bruta do veículo tomou conta de Rainen, que sentiu o coração quase conectado ao motor.

Renata observou que, por instantes, ele parecia não ter conhecimento de mais nada ao seu redor, exceto do veículo e da pista. Foi uma constatação interessante.

Em menos de 45 minutos, a caminhonete encostava diante da casa da garota.

— Conseguiram comprar a peça? — perguntou Mario virando os pedaços de frango, ainda crus, sobre a churrasqueira.

— A negociação com o dono do ferro-velho foi difícil, mas deu tudo certo. — Ele animou-se em responder.

— Agora é comer e relaxar, meu caro. — Elizabeth chegou trazendo o purê de batatas. — Espero que goste.

— Está tudo maravilhoso. — Porém algo o incomodava. Não queria, mas perguntou: — A Bruna está bem?

Renata o conhecia e sentia que aquela pergunta era mais voltada a ela do que à irmã.

— Um pouco indisposta. Preferiu uma comida mais leve e descansar, afinal, amanhã é segunda-feira e, se tem uma coisa da qual ela não abre mão, é trabalhar — explicou Mario.

E não tocaram mais no assunto, mas, da janela do andar superior, os olhos atentos de Bruna observavam os acontecimentos.

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