Ele olhou no relógio.
“7h55”
Girou
um pouco o volante, desacelerou e parou o veículo.
Renata
estava a pino na porta de casa. Vestido de estampa florida, sapatilha de cor
laranjada e bolsa amarela. O cabelo preso por uma fita também laranjada. Atrás
dela, os pais ainda de pijama e com cara de sono.
—
Bom dia, Rainen!
—
Bom dia, pessoal!
—
Bom dia, amor! — E Renata lhe deu um selinho.
Seu
sorriso era radiante.
A pergunta veio automática, pois era uma preocupação real:
—
Como está a Bruna?
— Acho que passou a noite bem. Antes de dormir, lhe demos um chá.
—
Que bom! — Ele até se surpreendeu com a própria resposta. — Bem, precisamos ir.
—
Você vem para o almoço?
—
Ainda não sei, senhora Elizabeth. Tudo leva a crer que sim, mas imprevistos
acontecem.
—
Tudo bem.
Despediram-se e a caminhonete partiu.
Oculta
por uma cortina, Bruna assistiu toda a cena. Não gostou nada do que viu.
Fazia
quinze minutos que transitavam pela rodovia. Rainen gostava de testar os seus
equipamentos no limite da operação, mas, como estava acompanhado, não
ultrapassou os 150 km/h. A viagem seguia tranquila, quando Renata começou:
—
Tem coisas que ainda estou descobrindo sobre mim. — Ela olhava a paisagem
através do vidro semiaberto. — Mas ainda tenho dúvidas.
Ele
ouvia atentamente aquelas palavras.
—
Olha, não sei o quanto posso te ajudar, mas tenta ir com calma.
— É
uma cobrança interna. Não tem ligação com você.
—
Não tem? — Ele a fitou sério. — Tudo o que te afeta, me afeta também.
Ali
ela constatou que essa sensação era semelhante.
—
Desculpe. — E os olhos de Renata marejaram.
—
Não chore. — Ele a observava de vez em quando. — Entenda, somos jovens, temos
tempo para aprender e vivenciar as coisas.
—
Fico observando e, às vezes, as coisas parecem ir tão lentas.
—
Amor, vamos viver um dia após o outro. É controlar a ansiedade e construir a
nossa felicidade.
Rainen
segurou e apertou a mão e Renata, que recostou ao seu lado.
—
Sou refém do seu amor.
—
Apenas me ame, isso me faz bem.
E se
beijaram.
A
viagem seguiu tranquila e rápida. Às 9h20, a caminhonete estacionava diante do
ferro-velho fechado. Cães ferozes latiram, reagindo à chegada dos estranhos.
Assim que pararam, do outro lado da rua, um homem de meia-idade se aproximou do
veículo.
—
Por favor, o Sr. Bitus — o rapaz pediu a informação.
— Tá
falando com ele — respondeu o homem um pouco desconfiado.
— Eu
sou Rainen e ela é Renata. Jimmy deve ter falado com o senhor sobre uma
embreagem usada.
—
Sim, ele me falou. — Bitus se mantinha na defensiva. — Mas não disse que viria
acompanhado.
—
Coisa de última hora.
— Eu
separei as peças. Na arrumação, acabei encontrando cinco.
Ele
destrancou um portão pequeno e entrou, prendendo os cães. Em seguida, o casal
entrou.
O
escritório de Bitus era pequeno, com espaço para, no máximo, cinco pessoas. Num
canto, abaixo da mesa, a caixa com as peças usadas. Rainen sentiu uma
satisfação ao vê-las, mas não seria fácil levá-las dali.
— E
quanto está cobrando por peça?
—
Cem dólares.
O
preço alto incomodou o rapaz, mas ele não reclamou.
— O
valor excede o que eu tinha planejado.
—
Posso fazer por 95.
—
Mesmo assim, fica alto.
Bitus
tentou fomentar mais.
—
Pensa bem, garoto, o seu pai vai poder rodar de novo com o calhambeque dele.
—
Não é para o meu pai — informou Rainen.
—
Então o seu cliente vai te pagar bem pelo serviço.
—
Também não é para cliente — respondeu.
Renata
observava.
—
Agora fiquei curioso. O que vai fazer com essa embreagem?
—
Bem. Lá no meu serviço tem um jipe em manutenção há bastante tempo. Aquilo tem
me incomodado. Não gosto que as coisas não cumpram as funções para as quais
foram construídas, principalmente em se tratando de carros.
—
Você está pensando em fazer o serviço sem cobrar?
— E
se possível, sem que saibam.
—
Atitudes como a sua não se veem com frequência hoje em dia. — Bitus olhou para
o casal de cima a baixo e falou: — Quarenta dólares.
—
Aceito, Bitus.
—
Espero que consiga fazer a manutenção.
Rainen
escolheu a peça em melhor estado de conservação e foram embora.
—
Está com fome? — perguntou para a garota.
—
Assistindo à negociação até me esqueci, mas estou sim.
—
Acho que vi uma padaria por aqui. — Olhou pelos lados até encontrá-la. — Ali.
—
Acha que é seguro?
Rainen
estacionou e eles desembarcaram.
— Tá
falando de quê? De comer aqui?
—
Sim.
—
Não se preocupe, depois de algum tempo com o Tony, aprendi a selecionar. Se não
for seguro, te aviso.
Renata
sorriu, mas manteve certa preocupação.
O
atendente chegou e eles pediram:
— Um
misto e um pingado grande. — O rapaz olhou para ela.
— Um
pão de queijo e café.
— Só
isso? Tem umas iguarias interessantes aqui — apontou Rainen.
—
Isso me basta. Obrigada!
— É
tudo! — falou para o atendente.
Rainen
olhou as estufas e a aparência dos lanches.
“Nada
de anormal.”
—
Você gosta de tomar café em padarias?
—
Quebra um galho, mas claro que prefiro em casa — O atendente entregou os
lanches.
— O
meu café não é muito bom.
Rainen
percebeu a seriedade com que Renata falou.
—
Olha, eu posso fazer o café enquanto você domina
a técnica. — Ele riu. — Podemos revezar.
Renata
riu encabulada.
—
Tudo bem. — Ela aceitou a proposta e mordeu o pão-de-queijo. — Bem saboroso.
—
Também gostei do misto quente.
Em
pouco mais de 20 minutos, a caminhonete entrava na rodovia, ganhando velocidade
sobre um asfalto quase sem imperfeições.
—
Precisamos ir para casa agora?
Ele
ponderou um pouco.
—
Tem outra ideia?
— Vi
um lago próximo à rodovia. Quem sabe não poderíamos ir até lá?
Logo
adiante a placa informando sobre uma área de lazer à beira do lago.
—
Podemos, mas é melhor avisarmos.
Próximo
dali havia um posto de combustível. Além de ligar, aproveitaria para abastecer.
Entregou duas fichas para Renata e esta foi até o orelhão.
—
Pai, vamos atrasar um pouco, pois estamos indo para o lago Hees. Chegaremos por volta de 13 horas. Tudo
bem, tomaremos cuidado. Beijo!
Terminada
a ligação, ela voltou para junto do rapaz.
— E
então?
—
Tudo bem para eles.
—
Ótimo. Aqui eu também já terminei.
No
balcão, Rainen pagou pelo combustível. Subiram na caminhonete e viraram à
direita, rumo ao camping. Foram sete minutos até chegarem. Ali, à beira do
lago, pessoas se divertiam: amigos, parentes, amantes. O lugar era propício
para aquelas reuniões.
O
casal até queria chegar discretamente, mas o barulho potente do motor não
permitiu e todos olharam para eles. Mas, concentrados um no outro, Rainen e
Renata nem perceberam.
—
Nossa, aqui é lindo!
—
Demais.
De
mãos dadas, caminhavam pela margem. O caminho era formado por areia e pequenas
pedras. Vez ou outra, um galho ou rochedo que adentrava as águas.
Rainen
tirou o sapato e dobrou a barra da calça jeans. Renata não precisou se
preocupar com isso, pois a água não chegava nem na metade de suas canelas, mas
retirou as sandálias.
—
Pensei que estivesse mais fria.
—
Talvez pela época do ano… — explicou o rapaz.
—
Verdade. — Mas não era aquilo o que ela queria falar, então tomou coragem. —
Rainen, você está gostando de nosso relacionamento?
— Me
é bem agradável. Não imaginei que um namoro fosse assim.
As
palavras lançaram uma onda de leveza ao coração de Renata. Ela saiu correndo, e
ele foi atrás, até que a alcançou e a agarrou. Abraços e beijos foram o tom
daquele momento especial.
Foi
próximo das 11h que pegaram novamente a rodovia.
—
Acho que conseguiremos chegar na hora.
E
Rainen pisou fundo, sentindo toda a estrutura do carro corresponder à sua
imposição. O motor despejou potência nas rodas, fazendo o conta-giros quase marcar
o seu máximo. O escapamento urrou. A força
bruta do veículo tomou conta de Rainen, que sentiu o coração quase
conectado ao motor.
Renata
observou que, por instantes, ele parecia não ter conhecimento de mais nada ao
seu redor, exceto do veículo e da pista. Foi uma constatação interessante.
Em
menos de 45 minutos, a caminhonete encostava diante da casa da garota.
—
Conseguiram comprar a peça? — perguntou Mario virando os pedaços de frango,
ainda crus, sobre a churrasqueira.
— A
negociação com o dono do ferro-velho foi difícil, mas deu tudo certo. — Ele animou-se
em responder.
—
Agora é comer e relaxar, meu caro. — Elizabeth chegou trazendo o purê de
batatas. — Espero que goste.
—
Está tudo maravilhoso. — Porém algo o incomodava. Não queria, mas perguntou: —
A Bruna está bem?
Renata
o conhecia e sentia que aquela pergunta era mais voltada a ela do que à irmã.
— Um pouco indisposta. Preferiu uma comida mais leve e descansar, afinal, amanhã é segunda-feira e, se tem uma coisa da qual ela não abre mão, é trabalhar — explicou Mario.
E não tocaram mais no assunto, mas, da janela do andar superior, os olhos atentos de Bruna observavam os acontecimentos.
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