— Confesso: é tipo da coisa da qual não temos conhecimento.
Diante
do balcão ele tinha visão ampla da pequena criatura.
— Eu
preciso descobrir uma forma, Saetele. Eu preciso.
—
Olha. Se o que me narrou está acontecendo, porque apenas não fica por perto?
—
Como uma alma penada? De forma alguma.
Ele
viu que era uma espécie de humor, mas não deu sequência.
—
Realmente não sei se dessa forma, afinal, cada demônio se “alimenta” de algum tipo
de energia, certo? Com o que você trabalhava antes?
— Fazia o transporte de succubus e inccubus.
—
Veja. No caso desses aí eles se alimentam da energia sexual. Outros, se
alimentarão de medo. Uns, pela violência. Vários, pela mentira.
— É
verdade.
Ela
começava a imaginar onde aquilo terminaria, e a pergunta veio como uma
chicotada:
— De
que você se alimenta? De que carrega as suas energias?
De
algo que ela desconfiava, mas que não tinha certeza. Se estivesse certa, também
não teria a mínima coragem de dizer, nem naquele momento e nem nunca, mas queria
um entendimento a respeito.
—
Esse caminho é tortuoso para mim. Então vamos tentar de outra forma, tudo bem?
Era
da natureza de Saetele analisar as propostas.
—
Certo. Vamos tentar. Pensou em algo?
— Sim.
Preciso de informações que expliquem o emocional humano.
Aquilo
não o agradou muito, pois sabia da infinidade de informações.
—
Não teria um assunto um pouco mais específico? — Ele tentava filtrar para
realizar um melhor atendimento.
A
pequena entidade demorou um tempo pensativa, até responder.
—
Relacionamentos.
—
Olha, antes de qualquer coisa, preciso alertá-la: este é um campo vasto e muito
impreciso.
Ela
o olhou com questionamento sobre o que ele acabara de dizer.
—
Quão complexo?
Saetele
se esticou, se curvando sobre o balcão, se aproximando da pontuda orelha
esquerda da entidade, e disse quase sussurrado:
— A
ponto “dela”, precisar receber ajuda externa para não sucumbir. — Ela sentia o
hálito quente causando leve incômodo na sua fria pele. — E eu mesmo não sei se
isso funcionou muito bem.
Aquilo
causou um tremor no corpo da entidade, que reuniu forças para praguejar:
—
Inferno maldito!
—
Sim! Ela é de uma raça única e teve oportunidades também únicas. — Saetele
mantinha a posição. — Ela começou tudo isso muito cedo. Muito cedo. Logo após
ser “substituída”. Creio que você se lembre.
— Me
lembro sim.
—
Ouso dizer que, essa mistura de fatores, somada a própria essência que ela
carrega em si, a sabotaram. — Falou Saetele, agora se afastando.
— Eu
entendo. Mesmo assim preciso de ajuda.
Enquanto
pensava, ele tamborilava com as unhas no balcão. Talvez um tique nervoso, que
se repetia toda vez que repassava mentalmente os itens do estoque. Mas não só
isso.
—
Entendo. E existe essa possibilidade. Acho que você precisa de uma literatura
especifica sobre o tema.
—
Seria algo ligado à psicologia?
—
Contemplaria também. — Ele buscava alguma coisa mentalmente.
—
Talvez em uma bibliote… — Ela se calou, arrependida da proposição.
— De
certa forma sim.
Ela
estava olhando para ele quando o mesmo cessou o tamborilar e também olhou agudo
para ela.
—
Que foi?
—
Olha, eu tenho aqui uma parte do material que foi utilizado para ajudar a “ela”.
O entendimento do que são e como funcionam é mais específico. Para alguns
seriam livros. Para outros manuais.
Saetele
se abaixou atrás do balcão, ouvindo o comentário dela:
—
Como vocês conseguem?
Ele
sorriu, respondendo sereno:
—
Negócios, minha cara. Negócios. Nesses salões, de tudo nós temos. Coisas das
mais simples, até as impensáveis. — Ele colocou as peças sobre o balcão. —
Agora veja.
Com
calma ela observou uma a uma. Pareciam pequenos retângulos de alguma matéria
completamente negra, donde nada se via. E ela chegou a uma conclusão:
— Mas
são todos iguais.
Errônea
conclusão. Então Saetele pegou um banquinho e deu a ela, pedindo:
—
Chegue mais perto.
Se
aproximou do primeiro e, assim que o fez, finas linhas de coloração amarronzada,
emergiram em meio à escura matéria, como se constituíssem as bordas de uma caixa.
No meio, a representação de um órgão humano, acima dele, o nome de quem o
compôs. Na parte de baixo, em letras minúsculas, o nome de quem foi usado para
escrever.
—
Uau!
E o
fascínio dela aumentou quando ouviu, suave, as palavras soando ao seu redor:
— PRAMINA…
VENGHATI… KAPJEHS… ZHONKRAS…
—
Espere! Pare! — Pediu nervosamente, Saetele. — Aqui não.
—
Preciso ter acesso a esse material. Como podemos fazer?
O
atendente pensou mais um pouco, tamborilando os dedos sobre o balcão.
— Só
conversando com meu superior.
—
Vai demorar?
—
Não sei dizer. Tem muita coisa acontecendo aqui.
—
Tudo bem. Não há pressa mesmo.
— Aí
é que você se engana, minha cara. Tempo é algo que ninguém mais tem.
— Do
que está falando? — As palavras a incomodaram.
Ele
sentiu que falara demais então, enfiou a mão no bolso e puxou um papel dobrado
em quatro.
—
Isso é para você.
— O
que é?
— A
lista com as características das suas joias. Tem coisas bem interessantes no
seu inventário.
—
Sério? — Mas não havia empolgação na voz da entidade.
—
Espero que faça bom uso delas.
— Eu
também. — Ela olhou para o material sobre o balcão. — Agora, preciso ir.
— Eu
também. Estamos tentando arrumar o para-choque de um caminhão que usamos outro
dia. — Mudou um pouco de assunto.
—
Sabe que, às vezes, tenho curiosidades quanto às coisas que vocês fazem.
Saetele
foi saindo e dizendo:
—
Nem queira saber. Nem queira saber. Mas, assim que eu falar com o senhor
Brasholais, te chamo.
Ele parou olhando para trás, mas ela já não estava ali.
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