“—
Faz tempo que não consigo contato com meu filho. E ninguém me passa qualquer
informação.”
“—
Mas e a Secretaria de Comunicação do Exército? — Perguntou o repórter.”
“—
Não atendem! Nem a mim nem a ninguém aqui.”
A
câmera fez um close das pessoas que cercavam a senhora que dava entrevista.
“—
Isso é uma coisa muito estranha. — Complementou o repórter.”
“—
Sem qualquer notícia, tememos pelo pior.”
“—
Tenho certeza que as autoridades competentes entrarão em contato”
O
dono do estabelecimento mudou o canal passando para um programa de entrevistas.
“— …Mas
não é demais achar que se trata do fim do mundo?”
“— Veja bem os sinais que nos são dad…”
E desligou
o aparelho.
—
Bah! Agora é isso o dia todo. Todo mundo tecendo teorias de conspiração, de
fim.
Pedro
pegou o pão com ovo, abriu e salpicou molho de pimenta. Mordeu e, enquanto
mastigava, serviu uma dose de guaraná Baré. Quando engoliu o bocado, tomou uma copada,
o que ajudou a empurrar o sanduíche. Só então conseguiu falar.
— E
o que você acha disso?
Encarou
o homem que enxugava copos e os organizava.
—
Baboseiras. Um punhado de baboseiras. É gente querendo se promover através do caos.
Sempre tem alguém lucrando nessas situações. Pode observar. Depois disso vem
uma guerra, nós torramos o nosso estoque de armamentos e aí a indústria bélica
retoma a sua produção. É o que penso. — ele olhou para o cliente — E você? O
que acha?
—
Acho que você pode estar certo.
O
homem sorriu ao ter a teoria aceita. Ele foi até a prateleira e reorganizou as
garrafas de bebida.
Ao
terminar o lanche, Pedro pagou e caminhou para casa. Eram apenas algumas
quadras. O caminho era enfadonho, as lembranças também. Não foi uma e nem duas
vezes que recordou de Firela, mas tentava não vivificar aquilo. Então pensava
no rumo que o seu trabalho estava seguindo.
“A
Mirtis tá tomando conta de tudo.”
E
Pedro tinha certa preocupação quanto a isso, pois ela não tinha o conhecimento
e nem prática para assumir certos cargos.
“Pode
colocar a empresa em risco.”
Mas,
aparentemente, nem os próprios donos estavam se preocupando com isso. Foi com
esses pensamentos que ele se banhou e comeu uma laranja e uma banana, para
compensar o refrigerante ingerido. Após a escovação, passou demoradamente o fio
dental.
“Acho
que esse é o último. Preciso comprar mais.”
Terminou
e foi para o quarto. Arrumou a cama, que esquecera de arrumar quando acordou. Deitou-se,
um pouco sem sono, mas dormiu depois de alguns minutos.
Não sabia ao certo o que o acordara: a
dor na nuca ou a claridade esverdeada. Fato é que girou para o lado, sentindo o
incômodo que, da parte de trás da cabeça, passava pelas têmporas e morria em
sua testa. Quando seu braço esticou para a frente tocou um objeto e o trouxe
para si. Ele forçava a vista pouco embaçada:
“Mas essa… essa é a mesma pedra que
lancei…”
Com dificuldade, Pedro se sentou e,
assim que as imagens ficaram mais nítidas, viu, bem mais próximas, as grandes
peças que outrora brilhavam avermelhadas. Percebeu que as mesmas eram do
tamanho de pequenos prédios e, tinha para si, que demarcavam alguma coisa, mas
ele não sabia exatamente o quê. Também não importava, não por agora. A sua
preocupação era com o fato de estar sentido dor, e proporcionada por “aquilo”.
“Se existe dor, então existe morte?”
Fez o questionamento enquanto se
colocava de pé. Sem uma resposta plausível para o momento, pensava em como se
defender, se proteger ou simplesmente acordar. Mas sem a possibilidade de fazer
qualquer uma das três coisas, apenas fugiu dali.
“Mas para onde?”
A dor de cabeça diminuía a intensidade
quando ele olhou para os lados, mas só havia floresta. Também olhou para trás e
só lhe veio uma sensação ruim. Quando mirou o céu, mais precisamente a noroeste
de sua posição, viu um reflexo, bem acima do horizonte. Pedro não pensou duas vezes
e correu naquela direção.
Ou ele correu muito rápido, ou a
distância era menor do que parecia. Pois, em pouco tempo, chegava a um lugar
mais plano, que depois seguia com um leve declive e, bem adiante da grande concavidade,
viu a torre. Ou algo que parecia uma torre. Estava cravada sobre uma base
rochosa imensa e alta, tanto que levou outro período para o rapaz subir até lá.
Ao chegar ao topo da base, viu que as paredes da torre eram de um vidro
reflexivo, mas que, encostando neles e fazendo sombra com as mãos, conseguia
ver a parte interna. Desse modo ele viu uma pequena recepção e, sobre a mesa, a
plaqueta com um nome:
KADORIM.
“Quem ou o que será Kadorim?”
Mesmo sem ter a resposta para essa
pergunta, Pedro estava fascinado. Circundando um pouco mais da estrutura, e procurando
por portas ou janelas que pudessem lhe dar acesso, nada encontrou. Parou e
olhou para cima, vendo que a torre se erguia, a tal ponto, que se confundia com
o céu azul e límpido, dando a impressão de ser infinita. Ele sorriu. Ao olhar
para o vidro à sua frente, teve a impressão de ver uma pequena mancha. Se
aproximando, passou a mão e viu que se tratava de um texto, um micro texto,
para ser exato. Forçando as vistas conseguiu ler:
“— O conhecimento revela a verdade.”
Mas percebeu que, do lado oposto da
torre, havia um borrão de cor clara. Pedro conseguiu ver que tinha alguma
forma, mas não a distinguia. Ele analisava com calma quando aquilo, dando a
volta pelo lado de fora, veio em sua direção, e quando deu por si, estavam
parados a mais ou menos dez metros de distância um do outro. Assim ele pode
avaliar com calma. O ser tinha mais de três metros de altura, trajava bata
folgada e de um branco perolado, presa ao meio por um faixa com alguns dizeres
que ele não compreendia. Essa faixa também prendia uma bainha que carregava uma
adaga. Estava descaça. O rosto era belo, com linhas delicadas e mais
arredondadas, transmitindo severidade, mas sem perder o ar terno. Seus olhos
eram totalmente pretos, tal qual dois abismos. A boca ele não viu, pois uma faixa
a cobria. O cabelo preto, cumprido e bagunçado, caia por sobre as vestes. E,
por sobre toda ela, havia flores, folhas e alguma terra. Foi assim que ele a
viu. E assim se hipnotizou. Tanto que, de forma descoordenada, acenou para a
criatura que mantinha o olhar fixo nele. E aquilo perturbou Pedro, que sentiu
medo. Então um brilho no vidro lhe chamou a atenção:
“— O conhecimento eleva.”
Logo sentiu um benfazejo, seguido por um
formigamento pelo corpo e por fim a leveza. Então seus pés não tocavam mais o
chão, e ele subiu, lentamente, rumo ao céu azul. Foi com essa sensação,
indescritível, que Pedro acordou.
[Biblioteca Central]
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