Ardes - Capítulo 039


Onofre acordou animado, mas não deixou transparecer. No banheiro, fez a sua higiene habitual, na copa, bebeu o café forte e amargo e caminhou até a porta. Dali, olhou para Letícia e avisou:
— Estou indo para o bar.
Ela também o olhou:
— Tão cedo?
Teve vários pensamentos naquele instante, mas não quis se irritar:
— Deu vontade.
— Coma alguma coisa, eu comprei pão de sal, está torrado, como você gosta.
— Não quero!
— É para que não se sinta mal.
Ele a ignorou e saiu. Sentiu-se mal com sua própria atitude, mas não voltaria atrás.
Enquanto no interior da casa Letícia chorava, Onofre caminhava para o ponto de ônibus; ele embarcou no transporte que o deixou quase na porta da empresa. Lá chegando, viu conhecidos, mas não quis perder tempo e foi direto ao departamento pessoal, onde assinou a rescisão e pegou o cheque. Agora tinha pressa em sair dali. Dobrou o documento e o guardou na carteira. Já saía pela porta do departamento, quando foi interpelado:
— Onofre! Poderia ter me procurado. Como está a recuperação? — Era Toledo.

— Bem — respondeu com pouca vontade.
— Não se chateie comigo. São ordens, estou aqui para cumpri-las, você sabe…
Onofre nem parecia estar ali, fingia ouvir o funcionário, mas desejava apenas esquecer aquele dia. Lembrou da bebida forte em contato com suas glândulas gustativas, descendo saborosa e quente pela garganta, gerando prazer e alívio. Quando voltou a si, Toledo ainda falava:
— … foram dispensados. A quebra de outras empresas e o aumento da concorrência com os chineses têm trazido sérios problemas. Mesmo assim, existe uma lis…
— Chega! — berrou Onofre. — Não quero saber de mais nada!
E saiu quase correndo, sem dar tempo para que o amigo explicasse sobre uma lista de espera para recontratação. Toledo entendia a situação do amigo.
“São dias difíceis.”
Dali, Onofre pegou o ônibus e foi para o seu esconderijo, o seu lugar de lazer: o bar. Contou o troco das passagens e não tinha o quanto queria, mas conseguiria tomar uns tragos.
— Macaio, me vê um conhaque duplo.
O atendente sacou a garrafa marrom e cumprida, puxou o pequeno copo estilo americano e o encheu quase até o tampo. Ver aquilo atiçou o paladar de Onofre e o fez salivar. Não bebeu de imediato. Girou a bebida próximo ao nariz, inalando as essências que dela exalavam, seus olhos quase reviraram de satisfação. Tocou os lábios na borda do copo e bebeu o líquido em pequenos goles. Cada porção, uma fração de satisfação. Nem colocou o copo vazio sobre o balcão e pediu:
— Mais uma.
A verdade é que, em menos de quinze minutos, ele tomou cinco doses duplas de conhaque, o que o deixou apenas alegre. Quando estava bêbado, Onofre ficava melhor, mais feliz, mais otimista. Sentia menos as pressões do dia a dia. Foram poucas as vezes em que, nesse estado, ele se irritou ou causou confusão. Lembrando-se da última briga, bebeu rápido e foi embora.
— Obrigado, Macaio.
Agradeceu colocando as notas e algumas moedas perto do copo. Ajeitou o cabelo e saiu pela porta, lembrando-se da esposa:
“Hora de encarar a realidade.”

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