A vida não é nada estática, ao contrário, é mais dinâmica e
imprevisível do que podemos imaginar. E foi por isso que na casa de Rainen não
havia ninguém para atender ao telefonema de Renata. O lugar estava vazio desde
as 12h, quando um desconhecido bateu à porta da residência:
— Olá!
— Olá! Quem é o senhor?
— Meu nome é Badé. Sou conhecido do Onofre…
Letícia observou o homem de meia-idade, de aspecto simples,
trajando roupas puídas.
— Posso ajudá-lo?
— Não, vim para avisá-los que o Onofre está no hospital municipal.
— Como é que é? — Rainen se aproximou, preocupado.
— Foi uma briga no bar, mas ele não está muito mal, acho.
— Obrigada por nos avisar.
— Por nada.
O desconhecido ouviu o barulho da caminhonete acelerando, como se
fosse trovões prenunciando a aproximação de uma tempestade.
No banco do passageiro, os olhos de Letícia marejavam e ela
tentava não se entregar ao pranto. Dirigindo, Rainen segurava sua mão, quando
ela iniciou a conversa:
— Ele começou a beber por causa dos problemas na empresa.
— Eu vinha observando algumas alterações nele, mas não pensei que
fosse bebida.
— Ele não é uma pessoa ruim. Nós tínhamos planos referentes a
você, meu filho, e foi difícil para ele lidar com a desistência de todos eles.
Era o seu futuro em jogo.
Rainen sentiu uma forte emoção tomá-lo, mas também se conteve.
— Assim como a um motor, eu construirei o meu futuro, mãe —
respondeu, firme de si.
— Eu acredito em você, filho, e o seu pai também precisa
acreditar.
O rapaz estacionou o carro sobre um canteiro e correu com a mãe
para dentro do hospital. Logo na entrada, os dois se identificaram e passaram o
nome de quem procuravam:
— Onofre Mayer. Somos filho e esposa dele.
— Setor de traumatismos e suturas — respondeu a moça, apontando o
caminho do elevador. — Quarto andar.
Quando as portas foram abertas, rumaram para a recepção do andar.
O próximo atendente os informou:
— Nesse instante, ele está no centro cirúrgico. Vocês podem
aguardar naquela sala de espera. — E apontou para o local com poltronas.
Letícia e Rainen se sentaram, preocupados e precisando de
informações, mas no momento não havia como obtê-las.
— Com o avançar dos meses, o seu pai passou a beber mais e mais —
ela falava em voz baixa.
— E por que não me contou? Eu poderia ajudar de alguma forma.
— Você perdeu a possibilidade de fazer a faculdade. Temi que
perdesse o segundo grau e até mesmo o curso técnico — lamentou-se. — Não seria
justo com você. Não seria.
Rainen entendeu que foi uma tentativa de preservá-lo.
— Não faria mal me deixar informado sobre o que acontecia.
Naquele instante, um médico chegou à sala:
— Onofre Mayer?
— Somos os parentes dele — informou o rapaz, ao se levantarem.
— Concluímos o primeiro procedimento.
— O primeiro?
— Sim, senhora. Houve um corte na lateral esquerda do crânio,
causado provavelmente por uma garrafa quebrada. Retiramos estilhaços e
suturamos.
— E qual é o segundo procedimento?
— Ele quebrou o braço e foi transferido à ortopedia, para realizar
o raio-x e o engessamento.
— E como ele está, doutor?
— Medicado e consciente. Por conta dos pontos, preciso que ele
passe a noite aqui. Por causa do braço, ele deve se afastar das atividades no
trabalho por 45 dias, e depois retornar para uma avaliação. Mais alguma dúvida?
— Não, muito obrigada.
Voltaram para a recepção e o atendente indicou:
— A ortopedia fica no primeiro andar.
— Obrigado.
Desceram e, no corredor, encontraram Onofre sobre a maca, com
faixas enroladas na cabeça. Ele estava acordado; preso ao seu braço, soro
misturado com medicação. Ao ver a esposa e o filho, apenas abaixou os olhos.
— Senhor Onofre Mayer! — chamou a enfermeira do setor.
— Este aqui — Letícia informou.
— Vamos fazer o raio-x.
A esposa entregou a bolsa para o filho e empurrou a maca para
dentro da sala. Meia hora depois, com os procedimentos realizados, o casal
saía. Onofre, com o braço engessado e já sem o soro, seguia numa cadeira de
rodas, empurrado por uma enfermeira. A esposa vinha ao seu lado. Dali subiram
para a enfermaria onde uma cama o aguardava.
— A enfermeira me entregou essas receitas e os atestados. Disse
que o pagamento é feito no caixa da entrada principal. Mas…
— Mas…?
— O valor ficou alto. São mil e cem dólares. Acho que não temos
esse dinheiro.
— Não se preocupe, mãe. Tudo dará certo.
— Tomara — ela disse, com pouca crença. — Agora preciso que
retorne para casa.
— Prefiro passar a noite aqui, com ele.
— Melhor que eu faça isso, filho. Como você dirige, pode se
locomover mais rápido. Preciso que guarde as comidas na geladeira e prepare uma
bolsa com roupas e itens de higiene para o seu pai. Volte pela manhã.
— Sim, senhora.
Eram 21h quando Rainen chegou em casa.
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