Não se aceita mulheres nas forças armadas, mas a guerra força a mudança. Não é fácil ser mulher na linha de combate, pois existem muitas limitações e o preconceito impera. No caso de uma novata, já é algo ruim, mas, em se tratando de Guynive, se torna crítico, e isso por vários fatores: grande estatura, semblante fechado, diálogo escasso e ríspido. Mesmo sendo discretamente bela — cabelos loiros, vibrantes olhos azuis e um corpo escultural —, ela resistia a qualquer aproximação. Não se adaptava bem onde quer que chegasse.
Mesmo assim, a garota fazia suas observações. Via que a raça humana sofria com a guerra que acontecia movida por interesses ocultos. Contudo entendia que, mesmo tão negativa, gerava conhecimento e avanço.
Guynive também avaliava seu avanço com relação à missão: a adaptação na América do Norte; a infiltração no exército daquele país; o pesado treinamento; seu direcionamento para o exterior; e, por fim, o desembarque na Turquia. Nesse trajeto, poucos a interpelaram, conversando apenas o essencial. A garota prestava muita atenção na forma como todos realizavam suas atividades ou na simples convivência deles. Essas análises a auxiliavam na execução de suas próprias tarefas e na integração com o grupo, tudo para manter as aparências.
Naquele instante, lembrou-se dos motivos que a levaram até ali. Vez ou outra os repassava mentalmente para que se mantivesse na linha, já que era impaciente com determinadas coisas. Eram situações em que respondia de forma agressiva e desproporcional. Além disso, era hiperativa, o que não permitia de forma nenhuma que ficasse parada. Talvez essas características tenham sido agravadas pelo isolamento excessivo ao qual passou.
A verdade é que, ao ver Ivan, sentiu várias dessas sensações aflorando e tentando dominá-la. O contato visual com seu alvo gerou em si muitas dúvidas, e fazer um prejulgamento foi quase impossível.
Bem, fora isso, a garota tinha duas paixões nessa existência: a batalha e seu pai. A primeira a moldou; o segundo a disciplinou. Sentia falta de ambos e desejava concluir o mais rápido possível sua missão e retornar para seu lar.
— Vamos lá! Terminem suas refeições! Devo acomodá-los e depois vamos para um breve treinamento — a voz do sargento Caminton preencheu todo o refeitório e a trouxe de volta.
Os soldados obedeciam à ordem morosamente, recolhendo as mochilas e formando a fila, quando Caminton, irritado, deu um tapão numa das mesas de alumínio fazendo o som estalado ecoar pelo recinto:
— Acelerado! — berrou.
Em sete segundos a formação estava pronta e saindo do refeitório.
— Bom tempo, senhoras e senhores — disse olhando o relógio de pulso. — Por obséquio, me acompanhem.
Caminton trotava à frente, enquanto era seguido pelas filas. Após breves minutos, pararam frente a um pequeno prédio.
— Esse é o clube da Luluzinha, onde homens não entram. E caso entrem, a punição será exemplar. Podem apostar — falou ordenando: — Organizem-se, moças, pois voltaremos para buscá-las. Sigam-me em ritmo acelerado, rapazes!
Ao longe era possível ouvir o sargento gritando e comandando.
As garotas entraram no prédio e viram beliches por todos os lados, mesas e cadeiras, além de pequenos armários. Tudo bem distribuído. No momento, havia poucas mulheres ali, que não deram a mínima para a presença das recém-chegadas.
— Novatas, sejam bem-vindas. Sou a cabo Janet, responsável pela vistoria desse alojamento. Temos muitos leitos disponíveis, escolham o que lhes parecer melhor. O banheiro fica lá nos fundos e os armários nas laterais. As atividades começam às 6 horas e as luzes são apagadas às 22 horas. Se precisarem de algo, falem comigo. Isso é tudo por hora.
As garotas pegaram suas mochilas e, em grupos, escolheram as camas. Guynive pegou seus pertences e caminhou para o sentido oposto, buscando isolamento.
— Você quer dividir a beliche comigo? — a voz tímida e recatada veio de trás.
Ao se virar, Guynive viu a soldada Dina, e não se deixem levar pela voz tímida ou pela aparência magra. Ela estranhou o pedido e a interpelou:
— Não é melhor ficar perto das outras?
— Se é melhor, então, por que você veio para cá?
A garota possuía características bem interessantes. A argumentação era uma dessas.
— Eu fico com a de baixo — respondeu Guynive.
— Tudo bem, dessa vez, eu deixo — rebateu Dina.
Guynive sentiu vontade de sorrir, mas não o fez.
O grupo vestiu a roupa de treino e foi para a frente do alojamento. Lá adiante já era possível ver e ouvir o Caminton esbravejando com os rapazes que o seguiam, trajando camisetas, shorts e tênis.
— Depressa, seus molengas! As mulheres se vestiram mais rápido que vocês!
Quando pararam próximo às garotas, chegou um mensageiro.
— Sargento! — E repassou um bilhete às suas mãos.
Após uma leitura rápida, Caminton questionou o rapaz:
— Há quanto tempo?
— Trinta minutos.
— Onde?
— No refeitório, logo após conversarem com o cabo Ivan.
Guynive era a última da fila, mas ouviu claramente o nome que fora pronunciado. Sua atenção redobrou e pensou em sua missão.
— Obrigado!
O sargento parou diante das fileiras e bradou:
— Senhoras e senhores, por favor retornem para seus alojamentos e organizem todos os seus pertences. Em instantes, receberão outras instruções para o dia. Nossos treinos estão suspensos. Dispensados!
Então Caminton acompanhou os rapazes de volta para o alojamento. Diante da cena, algumas garotas se reuniram comentando o acontecido, enquanto Guynive apenas ouvia.
— Viu como são lindos?
— E aqueles shorts deixando as pernas à mostra? — disse uma ruiva.
— Não gosto de novatos, prefiro veteranos.
— Fala isso porque, durante o curso de formação, ficou com algu...
Ao perceber a informação e onde a diria, Penélope calou-se de sobressalto. O clima ficou tenso entre as duas.
— Dobre sua língua quando falar de mim, sua branquela, senão...
— Senão o que, Doroth Marx Fergisson?
Elas se encaravam durante aquele breve silêncio.
— Senão eles descobrem e não me dão mais confiança.
E com isso todas caíram em gargalhadas.
— Estamos juntas desde o jardim de infância. Que diria eu de minha aventureira amiga?
Penélope era o tipo de garota formosa e vistosa, com longos cabelos loiros e ar angelical. Onde chegava, costumava ser o centro das atenções e tinha facilidade em sujeitar as pessoas, que se rendiam à sua beleza.
— A verdade, mas não precisa espalhar — disse Doroth, ainda rindo.
Ela não era tão bela quanto sua amiga, o que não a impedia de ter uma vida amorosa movimentada. Relacionava-se com facilidade, e, às vezes, com várias pessoas. Fidelidade mesmo, apenas para com Penélope, e disso se orgulhava.
Novas risadas, mas não de todas. Guynive virou-se para elas com seriedade, o que silenciou a maioria. Sentindo a intimidação, a líder do grupo rebateu:
— E você, grandalhona? Quer algum dos rapazes? — os questionamentos vieram ácidos e irônicos.
"O que ela está dizendo?"
Guynive não era muito boa com as palavras.
— Não vai responder? Entende o que estou falando? Você tem retardamento?
Penélope não queria conversar, queria irritá-la, e conseguiu. Ambas ficaram frente a frente, e a diferença de estatura era brutal.
"Um só golpe e pronto!"
Preparou-se Guynive. E quando pensou em dar início, ouviu a última:
— Hum, alta e forte desse jeito... talvez goste de mulheres.
Mesmo quem não queria caiu na gargalhada, e não foram poucas. A inabilidade para a discussão deixou Guynive desnorteada.
"Que absurdo! Quanta tolice!"
Foi o que pensou confusa, retornando para o alojamento. Porém, no decorrer do dia, uma dúvida lhe permeou a mente.
"Mas... Como será se relacionar?"
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