Estava ali há bastante tempo, mas tudo parecia diferente: as cores desbotadas, as vozes distorcidas, as comidas sem sabor. Foi um golpe mais forte no balcão que o trouxe de volta.
—
Onofre! — Macaio o cumprimentou. — Como tem passado?
Mas
ele conseguiu apenas atrair o olhar do cliente.
—
Acho que sei o que pode te animar.
Com
habilidade, o dono do estabelecimento sacou um pequeno copo e o lançou ao
balcão de madeira; em seguida, a garrafa comprida, que girou duas vezes no ar;
então despejou uma generosa dose do destilado no copo.
— O
melhor conhaque da cidade. — Macaio sorriu ao dizer a frase: — Por conta da
casa.
Contudo,
Onofre olhou o líquido, não esboçando reação. Diante disso, o sorriso do dono
do estabelecimento se desfez.
—
Acho que prefere ficar só. Com licença.
E foi cuidar de outros afazeres de seu estabelecimento.
Onofre
ficou ali, estático olhando para o copo que exibia, em seu interior, o líquido
de transparência amarronzada. Sentiu falta do amigo e logo as lágrimas
inundaram seus olhos, mas as segurou. Por breve instante se lembrou das
palavras do médico:
“—
Era um câncer muito agressivo nos rins e que já tinha irradiado para outros
órgãos.”
Com
a conversa em mente, se levantou e saiu dali sem tocar na bebida.
Eram
10 horas da manhã quando caminhou até uma praça ali perto. Havia muitas pessoas
em várias atividades: aposentados jogavam baralho ou jogos de tabuleiro, grupos
de mulheres praticavam exercícios conjuntos; na quadra, adolescentes corriam
atrás de uma bola; as babás olhavam as crianças na caixa de areia.
A
temperatura estava amena para o horário, o céu limpo e um sol radiante. Aquilo
lhe dava certo vigor, tanto que respirou fundo algumas vezes e se espichou para
trás, sentindo a tensão abandonar o pescoço e as costas. Então sua barriga
roncou e resolveu voltar para casa.
“Melhor
ir caminhando”
Não
era distante, pouco mais de 30 minutos numa velocidade moderada. Enquanto
caminhava, observava o trânsito, as pessoas, as coisas. Lembrou-se de Badé e de
suas considerações acerca do vício. Sentiu um leve tremor não mão e a boca
seca. Acelerou um pouco mais e logo chegou em casa, mas não chegou bem. Assim
que entrou na residência, uma dor aguda na barriga o dobrou, fazendo-o cair no
chão.
—
Letícia! Letícia!
Mas
não teve resposta. E ficou ali, caído e se contorcendo, por quase uma hora, até
que a dor diminuiu. Contudo apareceu outra dor aguda na cabeça.
— Ai! Droga!
Estava difícil se levantar e, na tentativa, derrubou objetos pela sala, até chegar ao banheiro. Tentou abrir o armário e pegar alguma medicação, mas os tremores vieram fortes e derramou os remédios. Uma tontura o desequilibrou e ele bateu a cabeça na pia. Voltou correndo à porta de casa, para pedir ajuda, e desmaiou no alpendre.
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