Ardes - Capítulo 115

 

Estava ali há bastante tempo, mas tudo parecia diferente: as cores desbotadas, as vozes distorcidas, as comidas sem sabor. Foi um golpe mais forte no balcão que o trouxe de volta.

— Onofre! — Macaio o cumprimentou. — Como tem passado?

Mas ele conseguiu apenas atrair o olhar do cliente.

— Acho que sei o que pode te animar.

Com habilidade, o dono do estabelecimento sacou um pequeno copo e o lançou ao balcão de madeira; em seguida, a garrafa comprida, que girou duas vezes no ar; então despejou uma generosa dose do destilado no copo.

— O melhor conhaque da cidade. — Macaio sorriu ao dizer a frase: — Por conta da casa.

Contudo, Onofre olhou o líquido, não esboçando reação. Diante disso, o sorriso do dono do estabelecimento se desfez.

— Acho que prefere ficar só. Com licença.

E foi cuidar de outros afazeres de seu estabelecimento.

Onofre ficou ali, estático olhando para o copo que exibia, em seu interior, o líquido de transparência amarronzada. Sentiu falta do amigo e logo as lágrimas inundaram seus olhos, mas as segurou. Por breve instante se lembrou das palavras do médico:

“— Era um câncer muito agressivo nos rins e que já tinha irradiado para outros órgãos.”

Com a conversa em mente, se levantou e saiu dali sem tocar na bebida.

Eram 10 horas da manhã quando caminhou até uma praça ali perto. Havia muitas pessoas em várias atividades: aposentados jogavam baralho ou jogos de tabuleiro, grupos de mulheres praticavam exercícios conjuntos; na quadra, adolescentes corriam atrás de uma bola; as babás olhavam as crianças na caixa de areia.

A temperatura estava amena para o horário, o céu limpo e um sol radiante. Aquilo lhe dava certo vigor, tanto que respirou fundo algumas vezes e se espichou para trás, sentindo a tensão abandonar o pescoço e as costas. Então sua barriga roncou e resolveu voltar para casa.

“Melhor ir caminhando”

Não era distante, pouco mais de 30 minutos numa velocidade moderada. Enquanto caminhava, observava o trânsito, as pessoas, as coisas. Lembrou-se de Badé e de suas considerações acerca do vício. Sentiu um leve tremor não mão e a boca seca. Acelerou um pouco mais e logo chegou em casa, mas não chegou bem. Assim que entrou na residência, uma dor aguda na barriga o dobrou, fazendo-o cair no chão.

— Letícia! Letícia!

Mas não teve resposta. E ficou ali, caído e se contorcendo, por quase uma hora, até que a dor diminuiu. Contudo apareceu outra dor aguda na cabeça.

— Ai! Droga!

Estava difícil se levantar e, na tentativa, derrubou objetos pela sala, até chegar ao banheiro. Tentou abrir o armário e pegar alguma medicação, mas os tremores vieram fortes e derramou os remédios. Uma tontura o desequilibrou e ele bateu a cabeça na pia. Voltou correndo à porta de casa, para pedir ajuda, e desmaiou no alpendre.

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