O problema de fazer qualquer coisa de última hora, no último instante, é que vários detalhes importantes são esquecidos. Como por exemplo: avisar. Logo, para Letícia, todas as coisas estavam em ordem, como em qualquer outro dia que lhe era típico. Ela chegou do trabalho, organizou as roupas, preparou a janta, banhou-se e aguardou o marido e o filho. Nessa mesma ordem, já que Onofre mantinha o costume de chegar antes do rapaz.
Bem,
absorta em seus pensamentos, Letícia acabou adormecendo sentada no sofá e só
despertou com o barulho da chave girando na porta. Mas estranhou quem apareceu.
—
Rainen?
—
Ué, mãe? Dormindo no sofá?
Ela
nem respondeu e se levantou indo até o quarto. Voltou visivelmente
transtornada.
— O
seu pai não está em casa!
—
São 23h30 — disse olhando para o relógio. — Onde mais ele estaria?
Eles
se entreolharam, chegando ao mesmo entendimento.
— Me leve até lá — pediu a mãe.
E
ambos foram para a caminhonete. Durante o curto trajeto, Rainen teve que
questionar:
—
Tinha acontecido antes?
Um
pouco desconfortável, ela respondeu:
—
Uma vez — confessou, atenuando em seguida: — E faz bastante tempo.
Ele
não insistiu na conversa, em pouco mais de 10 minutos, paravam na frente do
bar. Ali um homem baixava as portas do estabelecimento.
—
Boa noite! — cumprimentou Letícia.
—
Boa noite! — respondeu o homem, um pouco ressabiado com a presença da dupla.
—
Estamos procurando pelo Onofre — informou Rainen.
— E
quem seriam vocês dois?
—
Sou a esposa e este é o filho — ela disse com o semblante preocupado. — É que
não vejo meu marido desde cedo. Também não retornou para casa no horário de
costume. O senhor o viu? Sabe dele? Qualquer coisa.
— Me
desculpe as perguntas, é que queria me resguardar. Sabe como são os dias de
hoje. — Rainen meneou a cabeça em entendimento e ele continuou. — Eu vi o
Onofre hoje cedo, por volta de 7 horas da manhã. Depois não mais.
— O
senhor sabe pra onde ele foi?
— Só
o que sei é que foi levado para o hospital.
Letícia
sentiu as pernas fraquejarem, e o filho a segurou.
—
Mas o que está dizendo? O que aconteceu?
—
Calma, por favor! Calma! Onofre não está ferido nem lhe aconteceu nada de ruim.
Ele foi para o hospital acompanhando o amigo, Badé, que passou mal aqui no bar
e precisou ser socorrido.
Letícia
abraçou o filho, se sentindo menos pior.
—
Obrigado pelas informações.
Rainen
colocou a mãe no carro e a prendeu com o cinto. Entrou, ligou o motor e engatou
a 1ª marcha. Quando pisou forte no acelerador, as rotações excessivas fizeram o
motor urrar, chegando a 50 km/h. Embreagem e 2ª marcha, a caminhonete atingiu
80 km/h. Embreagem e pulou direto para a 4ª marcha, e atingiu 110 km/h,
mantendo essa velocidade. A potência despejada pelo motor exprimia a urgência
do rapaz em encontrar seu pai e, com isso, acalmar sua mãe. Gastaram menos de
15 minutos até o hospital. E foram direto à recepção.
—
Por favor! Procuramos por Onofre Mayer
—
Paciente? — questionou a atendente.
—
Não! Acompanhante — informou Letícia.
—
Aguarde um instante.
—
Tudo bem!
A
moça pesquisava no sistema, enquanto Rainen ia ao telefone fazer uma ligação.
—
Estamos no hospital procurando meu pai, que está acompanhando um amigo em
estado grave.
—
Mas está tudo bem com ele?
Rainen
sentiu a alteração na voz da garota.
—
Com ele, aparentemente, sim, mas não sabemos do amigo dele. Pode se acalmar.
—
Claro! Estou calma.
—
Que bom! Só liguei pra te avi…
—
Estaremos aí dentro de 15 minutos, no máximo — Renata pontuou interrompendo o
noivo.
Ele
nem se deu o trabalho de contrariá-la, já sabia como ela era.
—
Tudo bem! Beijo.
—
Beijo.
Ao
voltar até a mãe, foi informado:
— A
atendente disse que o horário não permite que subamos.
O
rapaz tentou negociar, mas a moça estava irredutível.
—
São normas, não tenho como ignorá-las.
Rainen
entendia bem de regras, então pediu:
—
Pode contatá-lo e avisar que estamos aqui?
—
Posso tentar.
—
Obrigado!
Dez
minutos depois, ele sentiu o agarrão por trás. A temperatura, a fragrância, a
força…
—
Renata!
—
Meu amor…
Agora
de frente, se abraçaram. Renata usava um sobretudo cobrindo o pijama.
Mario
se aproximou, cumprimentando-o:
—
Boa noite, Rainen. Letícia.
E
ambos o cumprimentaram.
—
Não precisavam ter vindo.
Mario
olhou para a filha.
—
Acha mesmo que Renata me deixaria dormir?
— Ao
menos vocês não incomodaram a Elizabeth.
—
Ela ficou lá fora estacionando o carro.
Nem
acabou de falar e a esposa passou pela porta principal do hospital.
—
Boa noite, pessoal! O que está acontecendo?
Depois
da breve explicação, Letícia chegou ao ponto desejado:
— …
e a moça da recepção disse que não podemos subir para encontrá-lo.
—
Deixe-me falar com ela. — Mario se aproximou do guichê.
Rainen
estava junto e a moça os cumprimentou:
—
Boa noite. — Devolveu o documento olhando para o rapaz. — Sobre a sua
solicitação, não consigo contatar o senhor Onofre.
Ouvindo
isso, Mario pediu:
—
Então chame o diretor Farias.
— A
quem devo anunciar?
—
Mario Andrade.
A
atendente discou o número do ramal e, assim que ele atendeu, passou o telefone:
—
Obrigado! — A conversa foi breve e Mario desligou o telefone. — Agora é
aguardar.
Em
cinco minutos, Farias chegava à recepção do hospital.
—
Por favor, libere a passagem de todos.
—
Sim, senhor.
E
enquanto caminhavam para o elevador, se apresentaram:
—
Farias, essas você já conhece. Elizabeth e Renata.
—
Claro! Só que a Renata tinha 6 anos quando a vi pela última vez. — Ele a olhou
sorridente. — Mas você tem mais uma filha.
— A
Bruna, mas ela não veio. — E Mario complementou: — Estes são Letícia e Rainen.
O rapaz é noivo da minha filha.
— Da
Bruna?
—
Não! Da Renata.
— Ah
tá! Meus parabéns ao jovem casal — felicitou ao entrarem no elevador.
—
Obrigado! — ambos responderam.
— O
que fazem aqui?
— O
senhor Onofre é pai de Rainen e está aqui nas dependências.
A
conversa continuou quando saíram do elevador e acessaram o andar das UTIs.
—
Não sei exatamente o que se passa, mas sei onde se encontra esse senhor —
disse, apontando para a sala.
—
Obrigada.
Rainen
e Letícia foram naquela direção no exato instante em que os enfermeiros levavam
o corpo de Badé numa maca. Logo atrás, cabisbaixo e chorando, vinha aquele a
quem procuravam.
—
Onofre! — chamou Letícia, correndo ao seu encontro.
Em
seguida, veio Rainen.
—
Pai!
Colada no rapaz, Renata.
E o abraçaram, permanecendo em silêncio por alguns instantes. Ver aquelas pessoas ali, preocupadas com ele, foi positivo para o seu psicológico.
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