Ardes - Capítulo 110

 

O problema de fazer qualquer coisa de última hora, no último instante, é que vários detalhes importantes são esquecidos. Como por exemplo: avisar. Logo, para Letícia, todas as coisas estavam em ordem, como em qualquer outro dia que lhe era típico. Ela chegou do trabalho, organizou as roupas, preparou a janta, banhou-se e aguardou o marido e o filho. Nessa mesma ordem, já que Onofre mantinha o costume de chegar antes do rapaz.

Bem, absorta em seus pensamentos, Letícia acabou adormecendo sentada no sofá e só despertou com o barulho da chave girando na porta. Mas estranhou quem apareceu.

— Rainen?

— Ué, mãe? Dormindo no sofá?

Ela nem respondeu e se levantou indo até o quarto. Voltou visivelmente transtornada.

— O seu pai não está em casa!

— São 23h30 — disse olhando para o relógio. — Onde mais ele estaria?

Eles se entreolharam, chegando ao mesmo entendimento.

— Me leve até lá — pediu a mãe.

E ambos foram para a caminhonete. Durante o curto trajeto, Rainen teve que questionar:

— Tinha acontecido antes?

Um pouco desconfortável, ela respondeu:

— Uma vez — confessou, atenuando em seguida: — E faz bastante tempo.

Ele não insistiu na conversa, em pouco mais de 10 minutos, paravam na frente do bar. Ali um homem baixava as portas do estabelecimento.

— Boa noite! — cumprimentou Letícia.

— Boa noite! — respondeu o homem, um pouco ressabiado com a presença da dupla.

— Estamos procurando pelo Onofre — informou Rainen.

— E quem seriam vocês dois?

— Sou a esposa e este é o filho — ela disse com o semblante preocupado. — É que não vejo meu marido desde cedo. Também não retornou para casa no horário de costume. O senhor o viu? Sabe dele? Qualquer coisa.

— Me desculpe as perguntas, é que queria me resguardar. Sabe como são os dias de hoje. — Rainen meneou a cabeça em entendimento e ele continuou. — Eu vi o Onofre hoje cedo, por volta de 7 horas da manhã. Depois não mais.

— O senhor sabe pra onde ele foi?

— Só o que sei é que foi levado para o hospital.

Letícia sentiu as pernas fraquejarem, e o filho a segurou.

— Mas o que está dizendo? O que aconteceu?

— Calma, por favor! Calma! Onofre não está ferido nem lhe aconteceu nada de ruim. Ele foi para o hospital acompanhando o amigo, Badé, que passou mal aqui no bar e precisou ser socorrido.

Letícia abraçou o filho, se sentindo menos pior.

— Obrigado pelas informações.

Rainen colocou a mãe no carro e a prendeu com o cinto. Entrou, ligou o motor e engatou a 1ª marcha. Quando pisou forte no acelerador, as rotações excessivas fizeram o motor urrar, chegando a 50 km/h. Embreagem e 2ª marcha, a caminhonete atingiu 80 km/h. Embreagem e pulou direto para a 4ª marcha, e atingiu 110 km/h, mantendo essa velocidade. A potência despejada pelo motor exprimia a urgência do rapaz em encontrar seu pai e, com isso, acalmar sua mãe. Gastaram menos de 15 minutos até o hospital. E foram direto à recepção.

— Por favor! Procuramos por Onofre Mayer

— Paciente? — questionou a atendente.

— Não! Acompanhante — informou Letícia.

— Aguarde um instante.

— Tudo bem!

A moça pesquisava no sistema, enquanto Rainen ia ao telefone fazer uma ligação.

— Estamos no hospital procurando meu pai, que está acompanhando um amigo em estado grave.

— Mas está tudo bem com ele?

Rainen sentiu a alteração na voz da garota.

— Com ele, aparentemente, sim, mas não sabemos do amigo dele. Pode se acalmar.

— Claro! Estou calma.

— Que bom! Só liguei pra te avi…

— Estaremos aí dentro de 15 minutos, no máximo — Renata pontuou interrompendo o noivo.

Ele nem se deu o trabalho de contrariá-la, já sabia como ela era.

— Tudo bem! Beijo.

— Beijo.

Ao voltar até a mãe, foi informado:

— A atendente disse que o horário não permite que subamos.

O rapaz tentou negociar, mas a moça estava irredutível.

— São normas, não tenho como ignorá-las.

Rainen entendia bem de regras, então pediu:

— Pode contatá-lo e avisar que estamos aqui?

— Posso tentar.

— Obrigado!

Dez minutos depois, ele sentiu o agarrão por trás. A temperatura, a fragrância, a força…

— Renata!

— Meu amor…

Agora de frente, se abraçaram. Renata usava um sobretudo cobrindo o pijama.

Mario se aproximou, cumprimentando-o:

— Boa noite, Rainen. Letícia.

E ambos o cumprimentaram.

— Não precisavam ter vindo.

Mario olhou para a filha.

— Acha mesmo que Renata me deixaria dormir?

— Ao menos vocês não incomodaram a Elizabeth.

— Ela ficou lá fora estacionando o carro.

Nem acabou de falar e a esposa passou pela porta principal do hospital.

— Boa noite, pessoal! O que está acontecendo?

Depois da breve explicação, Letícia chegou ao ponto desejado:

— … e a moça da recepção disse que não podemos subir para encontrá-lo.

— Deixe-me falar com ela. — Mario se aproximou do guichê.

Rainen estava junto e a moça os cumprimentou:

— Boa noite. — Devolveu o documento olhando para o rapaz. — Sobre a sua solicitação, não consigo contatar o senhor Onofre.

Ouvindo isso, Mario pediu:

— Então chame o diretor Farias.

— A quem devo anunciar?

— Mario Andrade.

A atendente discou o número do ramal e, assim que ele atendeu, passou o telefone:

— Obrigado! — A conversa foi breve e Mario desligou o telefone. — Agora é aguardar.

Em cinco minutos, Farias chegava à recepção do hospital.

— Por favor, libere a passagem de todos.

— Sim, senhor.

E enquanto caminhavam para o elevador, se apresentaram:

— Farias, essas você já conhece. Elizabeth e Renata.

— Claro! Só que a Renata tinha 6 anos quando a vi pela última vez. — Ele a olhou sorridente. — Mas você tem mais uma filha.

— A Bruna, mas ela não veio. — E Mario complementou: — Estes são Letícia e Rainen. O rapaz é noivo da minha filha.

— Da Bruna?

— Não! Da Renata.

— Ah tá! Meus parabéns ao jovem casal — felicitou ao entrarem no elevador.

— Obrigado! — ambos responderam.

— O que fazem aqui?

— O senhor Onofre é pai de Rainen e está aqui nas dependências.

A conversa continuou quando saíram do elevador e acessaram o andar das UTIs.

— Não sei exatamente o que se passa, mas sei onde se encontra esse senhor — disse, apontando para a sala.

— Obrigada.

Rainen e Letícia foram naquela direção no exato instante em que os enfermeiros levavam o corpo de Badé numa maca. Logo atrás, cabisbaixo e chorando, vinha aquele a quem procuravam.

— Onofre! — chamou Letícia, correndo ao seu encontro.

Em seguida, veio Rainen.

— Pai!

Colada no rapaz, Renata.

E o abraçaram, permanecendo em silêncio por alguns instantes. Ver aquelas pessoas ali, preocupadas com ele, foi positivo para o seu psicológico.

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