No final de novembro, o curso técnico findaria. Para serem
aprovados, na última semana do mês, os alunos deveriam apresentar um projeto
final, que valeria 80% da nota. Dois meses antes, Rainen pensou em várias
possibilidades para o trabalho, porém a mais concreta envolvia a caminhonete.
Focou nessa ideia.
Fazendo análises preliminares, constatou: a lataria estava
intacta, com suas cores verde-claro e escuro que reluziam, e sem nenhum
amassado ou maresia. Faróis, lanternas e grade também estavam em bom estado. A
checagem na fiação e conectores não mostrou grandes problemas, apenas um ou
outro fio precisaria de substituição. Os problemas apareceriam quando erguesse
o capô, Rainen sabia disso. Conhecia o veículo, sempre fez o máximo para que o
antigo dono não gastasse tanto com ele e para que a caminhonete permanecesse o
mais original possível. Sabia das dificuldades para encontrar peças ainda em
bom estado de uso.
Contudo ele teria campo para testar suas ideias, coisas que tinham
um risco calculado e que ele assumiria. E para concluir seus intentos,
precisaria de auxílio, então começou:
Havia sim, por parte de Tony, o reconhecimento pelo crescimento do
negócio que foi estimulado desde que o rapaz chegou ali.
— E se precisar de ajuda, ainda estou em plena forma.
Ambos riram.
— Obrigado, Tony!
Naquele mesmo dia, Rainen foi até o ferro velho e conversou com
Jimmy:
— Vendi muito mais desdi
qui ocê mandô crientes para cá. Pegue o qui quiser. — Jimmy era bem
interiorano.
— Valeu!
Dali para frente, contando com a ajuda de ambos, ele realizou os
estudos e as modificações que imaginou. Naquelas semanas, as frases que mais se
ouvia na oficina foram:
— Não! Essa peça não vai
aguentar mais cavalos de potência.
— É quase certo que o metal
da câmara vai romper.
— Suspende… Suspende… Para!
— Estou exausto! Vamos
embora!
— Meia portuguesa e meia
marguerita.
— Extintor! Extintor!
— Devagar… Devagar… Senão
você perde o ponto.
— Parabéns! Você conseguiu!
Não foram dias fáceis, mas de labor e aprendizado. E ainda faltava
o principal: a apresentação.
A sala foi improvisada dentro das instalações da Escola Técnica, um lugar amplo e
arejado, que permitiria a Rainen a melhor exposição de seu trabalho. E ele o
apresentou, muito seguro de si:
— A caminhonete é de 1985, com um motor de V-8 de 5.0 Litros…
Foi o que os professores sentiram desde as primeiras palavras.
— Entrega 165 cavalos de potência, com 4.400 rotações por minuto
de…
A firmeza do seu conhecimento prendia a atenção de todos.
— Mesmo com a limitação do bloco do motor, eu intentei mais…
Ele parecia um grande mestre explicando de forma simplificada o
funcionamento do universo.
— Então, nesse momento, mantendo as devidas seguranças da estrutura
e do usuário, o veículo alcança 214,5 cavalos de potência, consumindo menos 11%
de combustível.
O fim da apresentação se aproximava e todos na sala focavam em
cada movimento, cada palavra que saía do aluno.
A caminhonete estava suspensa quando Rainen girou a chave na
ignição e o motor rugiu, liberando um som grave e oscilante. Puxando e soltando
o cabo do acelerador, o veículo aumentava e diminuía o barulho. Um conta-giros
e um marcador de potência, conectados ao motor, mostravam as variações. Ele
puxou o cabo e travou. O barulho era altíssimo quando ele apontou para os
equipamentos que marcavam, respectivamente:
4.400 RPM /
214,5 HP
Ele virou-se desligando o motor e retomou a palavra:
— Esse foi o meu trabalho de conclusão de curso.
Por instantes, o silêncio dominou o ambiente,
até que, num rompante, gritos, urros e aplausos tomaram o recinto. Foi a
consagração.
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