Ardes - Capítulo 017


No final de novembro, o curso técnico findaria. Para serem aprovados, na última semana do mês, os alunos deveriam apresentar um projeto final, que valeria 80% da nota. Dois meses antes, Rainen pensou em várias possibilidades para o trabalho, porém a mais concreta envolvia a caminhonete. Focou nessa ideia.
Fazendo análises preliminares, constatou: a lataria estava intacta, com suas cores verde-claro e escuro que reluziam, e sem nenhum amassado ou maresia. Faróis, lanternas e grade também estavam em bom estado. A checagem na fiação e conectores não mostrou grandes problemas, apenas um ou outro fio precisaria de substituição. Os problemas apareceriam quando erguesse o capô, Rainen sabia disso. Conhecia o veículo, sempre fez o máximo para que o antigo dono não gastasse tanto com ele e para que a caminhonete permanecesse o mais original possível. Sabia das dificuldades para encontrar peças ainda em bom estado de uso.
Contudo ele teria campo para testar suas ideias, coisas que tinham um risco calculado e que ele assumiria. E para concluir seus intentos, precisaria de auxílio, então começou:
— Claro que você pode deixar o carro aqui na oficina, Letrado. Sem problema ou custo algum. Use o que precisar.
Havia sim, por parte de Tony, o reconhecimento pelo crescimento do negócio que foi estimulado desde que o rapaz chegou ali.
— E se precisar de ajuda, ainda estou em plena forma.
Ambos riram.
— Obrigado, Tony!
Naquele mesmo dia, Rainen foi até o ferro velho e conversou com Jimmy:
— Vendi muito mais desdi qui ocê mandô crientes para cá. Pegue o qui quiser. — Jimmy era bem interiorano.
— Valeu!
Dali para frente, contando com a ajuda de ambos, ele realizou os estudos e as modificações que imaginou. Naquelas semanas, as frases que mais se ouvia na oficina foram:
— Não! Essa peça não vai aguentar mais cavalos de potência.
— É quase certo que o metal da câmara vai romper.
— Suspende… Suspende… Para!
— Estou exausto! Vamos embora!
— Meia portuguesa e meia marguerita.
— Extintor! Extintor!
— Devagar… Devagar… Senão você perde o ponto.
— Parabéns! Você conseguiu!
Não foram dias fáceis, mas de labor e aprendizado. E ainda faltava o principal: a apresentação.
A sala foi improvisada dentro das instalações da Escola Técnica, um lugar amplo e arejado, que permitiria a Rainen a melhor exposição de seu trabalho. E ele o apresentou, muito seguro de si:
— A caminhonete é de 1985, com um motor de V-8 de 5.0 Litros…
Foi o que os professores sentiram desde as primeiras palavras.
— Entrega 165 cavalos de potência, com 4.400 rotações por minuto de…
A firmeza do seu conhecimento prendia a atenção de todos.
— Mesmo com a limitação do bloco do motor, eu intentei mais…
Ele parecia um grande mestre explicando de forma simplificada o funcionamento do universo.
— Então, nesse momento, mantendo as devidas seguranças da estrutura e do usuário, o veículo alcança 214,5 cavalos de potência, consumindo menos 11% de combustível.
O fim da apresentação se aproximava e todos na sala focavam em cada movimento, cada palavra que saía do aluno.
A caminhonete estava suspensa quando Rainen girou a chave na ignição e o motor rugiu, liberando um som grave e oscilante. Puxando e soltando o cabo do acelerador, o veículo aumentava e diminuía o barulho. Um conta-giros e um marcador de potência, conectados ao motor, mostravam as variações. Ele puxou o cabo e travou. O barulho era altíssimo quando ele apontou para os equipamentos que marcavam, respectivamente:

4.400 RPM / 214,5 HP

Ele virou-se desligando o motor e retomou a palavra:
— Esse foi o meu trabalho de conclusão de curso.
Por instantes, o silêncio dominou o ambiente, até que, num rompante, gritos, urros e aplausos tomaram o recinto. Foi a consagração.

Nenhum comentário:

Ichiria - A Demônia Cega [Sinopse]

  Para manter sua mãe viva, Francisco não mediria esforços. Aceitaria até se comprometer com Clara, a executora de assassinatos que integrav...