Boin - Capítulo 010


Horas antes, Pedro voltava para casa, repassando mentalmente momentos de um passado não tão distante:

 

— Oi! Tudo bem?

— Olá. Dia pouco puxado, mas foi isso.

— Pedro, vejo você tão capacitado. Porque não muda de empresa?

— Nós já conversamos sobre isso, Firela.

— Acha que há futuro aqui?

 

Foi por causa da insistência nesse assunto que o casal se separou. E, não. A garota não estava errada. Só que Pedro gostava daquele serviço e poderia executa-lo, ou a outros similares, onde quer que fosse. Mas, por algum motivo, se prendia àquele lugar. Logo ele, que sempre se imaginou um funcionário do mundo. Falava 3 idiomas, sempre foi bom com várias linguagens de programação, tinha contatos em outras empresas do setor.

“Porque não consigo me desvencilhar? Avançar?”

Mas não insistia nesse pensamento.

Ele desceu do ônibus, passou no verdurão e foi para casa. Não estava tão cansado, mas queria comer algo e relaxar. Tinha alguns discos de vinil que ainda aguardavam pela sua atenção.

Sobre a pia da cozinha, Pedro pegou duas laranjas, cortou em cruz e comeu. Bananas nanicas foram três. Duas maçãs. Um cacho de uvas. Enquanto comia, ligou o rádio e sintonizou em uma estação de músicas antigas. Deixou em som ambiente enquanto terminava a refeição. Então pegou a toalha e foi banhar. Na sequência a escovação. Saiu para o quarto e colocou o pijama. Já sentado na cama, lia o capítulo de um livro que não lembrava o nome:

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que…”

Apagou.

 

De cima da montanha, Pedro divisava ainda com mais clareza tudo à sua volta, desde lá embaixo, no ponto onde estivera, até aqui o ponto onde estava. Foi quando algo do lado oposto, também pouco abaixo, lhe chamou a atenção e ele desceu com certa rapidez. Era fim de tarde quando chegou ao sopé da montanha e, passando por uma parte da floresta que se misturava à vegetação litorânea, teve acesso a outro trecho das praias do mar. Caminhou sobre a areia até que deu o seu primeiro passo sobre as tábuas. Elas avançavam em linha reta por longa distância, sempre rente à água, mas com extensões pontudas adentrando ao mar. Estacionadas nesses espaços estavam os objetos de sua admiração: sete grandes naves que ali flutuavam sobre águas serenas. Contudo não viu em nenhum dos navios, rampa para embarque. Viu apenas cordas enroladas e velas recolhidas, e também nada de objetos avulsos sobre os tombadilhos.

“Até parece que acabaram de ser fabricados.”

E após esse pensamento observou que todas eram diferentes entre si. Uma era mais larga [BALROTA]; outra mais estreita [AJU]; havia a mais alta [MATUN]; a mais baixa não parecia ter quilha [NEITAS]; uma com proa grande parecia agressiva [DRAVIO]; a com a poupa grande parecia se curvar para dentro d’água [OIVARD]; por fim, havia a menor de todas, mas com equilíbrio nas linhas [POGAR].

Aquela última lhe chamou a atenção, e por isso se aproximou mais, divisando sobre a ponta do mastro principal, a bandeirola preta, que diferia das demais que eram de cores bem mais claras. Estas peças de tecido, firulavam, movidas por um vento leste, junto a uma brisa morna, aquecida pelos últimos fachos do sol poente. A escuridão avançava lentamente quando Pedro, agora caminhava até a última embarcação. Crescia em seu coração a vontade de velejar. Foi quando viu algo ou alguém ao final do cais, entre as proas dos dois últimos navios. Pedro estancou o movimento, se sentindo ameaçado com a situação. Pior ainda, por não conseguir identificar de forma alguma o que via. Com algum receio, caminhou mais um pouco naquela direção. Olhou para os lados pouco antes de chegar no mesmo local. Mas não via mais o ser. Exceto que, ao olhar para as madeiras da doca, percebeu perfurações e ranhuras, com certa profundidade que o fizeram ficar mais cauteloso. Pedro sentou na beira do cais, recostou em uma pilha de madeira, deixando os pés dentro d’água, e acordou.

 

[Porto de Bellalma]

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