Ardes - Capítulo 171

 


Talvez pelo convite ou pela rejeição, quem sabe por causa da constatação de seu erro. A verdade é que perdera o controle sobre si e suas atitudes. Na rádio, a música fomentava mais ainda essa sensação:

 

EU SOU IMPRUDENTE E NÃO SINTO NENHUMA DOR

VOCÊ SABE QUE EU NÃO TENHO NECESSIDADE DE CONTROLE

VIVENDO COM O PERIGO, EU ESTOU SEMPRE NO LIMITE AGORA

COM VISÕES DE MILHÕES DE DÓLARES QUE EU SUSTENTO

VIVER ASSIM NUNCA ESTRAGOU MINHA VIDA

EU SEI COMO MANTER E

VOCÊ SABE QUE EU SEI MEU PAPEL

 

Pisou mais no acelerador, para chegar ao quanto antes no local marcado. No estacionamento do hipermercado, reconheceu o sedã que a aguardava. Bruna desceu de seu carro e o trancou, entrando no outro veículo.

— Você demorou. Pensei que tivesse desistido.

— Vamos! — Ela não quis comentar o que acontecera até aquele instante.

O luxuoso sedã acelerou, voltando algumas quadras. Durante o trajeto ela perguntou:

— Se lembra do que pedi, não é?

— Claro! Não tem como esquecer suas palavras. — O rapaz guiava com serenidade.

— Vai conseguir fazer dessa forma? — Bruna buscava alguma certeza.

— Relaxa. Vai ser tudo tranquilo.

Durante o trajeto ela pensava em como fora rejeitada pelo próprio namorado:

“Serei tão indesejável assim?”

Foi a soma desses fatores que a fez ligar para o rapaz, um dos seus mais íntimos amigos, e lançar aquela proposta.

 

— Você aceita?

— Mas é claro!

A resposta positiva aliviou, mas não retirou o peso de suas costas.

“Talvez eu até goste.”

 

Então o veículo entrou em uma das unidades do motel Atecubanos. O coração da garota disparou e ela respirou fundo. Em uma das garagens, o carro estacionou e o casal desembarcou. Subiram a escada acessando o quarto, que ficava sobre a garagem. Ali dentro, um ambiente de primeira classe, com espelhos, paredes brancas, móveis sofisticados e o principal: a cama. Ao lado da porta, o banheiro de azulejos pretos, contrastando com peças cromadas. A garota se impressionou, mas, sem saber explicar, sentia algo errado.

— Vou me molhar. Vai se deitando aí.

Não foram boas palavras de se ouvir, e ela não respondeu, continuando de pé. No banheiro, Valter se banhava, tendo alguns pensamentos:

“Até que enfim serei compensado por tanto esforço. Mas ela não está bem da cabeça. Me pedir pra fazer sexo com amor? Coitada! Acha mesmo que é só mandar e pronto? Pois eu vou fazer miséria com você, Bruna! Vou te arrebentar dentro desse quarto, e você vai sair daqui se sentindo a pior das mulheres. Piranha mimada!”

Terminou o banho, se secou e, com a toalha amarrada na cintura, parou na porta do banheiro, olhando para a garota.

— Ainda vestida?

Bruna ficou calada e Valter se aproximou, assim ela pôde ver que ele não tinha os braços tão fortes, nem peludos. O seu cheiro também era diferente, era suave, quase delicado. Dele também não sentiu cordialidade nem cavalheirismo. Algo estava errado.

— Deixe-me ajudá-la com o sobretudo. — Valter desabotoou a peça.

Por baixo, a lingerie de cor escura contrastando com a pele branca e imaculada de Bruna.

— Uau… Que delícia!

As palavras continuavam incomodando os ouvidos da garota, que pediu:

— Espere! Um beijo.

Ele segurou suavemente no pescoço da garota e a puxou para si. A expectativa na respiração, o olhar, os lábios se tocando, o beijo. Na sequência, o frio, o nojo, as lágrimas, a dor de uma certeza. E ela terminou o beijo.

— O que foi? — perguntou o rapaz.

O pensamento de Bruna dava voltas em confusão, até que as palavras se juntaram, formando a frase que ela proferiu:

— Você… não… é ele.

— O quê?

Ela entendeu o erro:

— Nada! Preciso ir embora…

Quando ia se virando para sair, Valter a segurou firme pelo braço.

— Que história é essa? Tá pensando que vai me fazer de idio…

O som abafado. Valter se avermelhando. A mão dele a liberando. O olhar de Bruna vendo-o ajoelhar-se. A dor do rapaz na parte íntima ao levar a joelhada. Bruna saindo do quarto. Da entrada do motel, correu até um ponto de táxi.

— Para onde? — perguntou o chofer.

— O hipermercado mais próximo.

No caminho, sua cabeça ardia em pensamentos. Ela olhou para o relógio, constatando:

“É quase a hora do casamento.”

Ela fora convidada, mas se negou a ir.

“Maldição!”

Pagou a corrida e desceu do táxi. Antes de entrar em seu carro, olhou para o estabelecimento e foi até lá. Voltou com uma garrafa de vodca. Abriu a embalagem e, no primeiro gole, no gargalo, seus pensamentos ficaram mais leves.

“Ao menos ela será feliz.”

Entrou no carro, deu mais um gole e constatou:

“Eles foram feitos um para o outro. Foi mamãe que falou.”

Deu partida no veículo, bebeu mais um pouco e arrancou.

“Vou passar lá na frente só pra olhar como está.”

Os efeitos da bebida agiram rápido em Bruna, que não tinha se alimentado. Agora ela trafegava acima da velocidade permitida.

“Ela é uma sortuda em ter achado um cara desses. Eu também queria um cara assim…”

Ela girou o volante rapidamente, fazendo o carro voltar para a sua faixa. Na esquina próxima à igreja, fez a curva cantando pneu e pôde ver vários veículos; a caminhonete do rapaz estacionando e, encostando atrás dele, o carro da noiva.

Um vulto! Bruna pensou ter visto algo e pisou com força no freio.

— Eu também poderia… — a frase foi interrompida pela perda do controle.

O veículo resvalou em um carro estacionado, o que a lançou direto no poste. Ao atingi-lo, o carro capotou uma vez e parou com as rodas para baixo, ficando atravessado na pista. O curto-circuito, o incêndio, a fumaça, os gritos.

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