Agora eram 4 as garrafas de whisky sobre a mesa: 3 vazias e a
última pela metade. Sentada naquele canto mais escuro da boate, a garota não
bebia, ela dragava o líquido em grandes goles como se fosse água. Agora virava
o copo cheio que derramava e lhe escorria pelo pescoço, molhando a roupa, mas
logo evaporava.
Do balcão a atendente, e dona do estabelecimento, observava aquela
cliente desde que tinha chegado, e não só naquela madrugada, pois era a quarta
vez nessa semana que a garota aparecia por ali. A moça sentada à mesa era loira
com cabelos abaixo dos ombros, pouco alta,
e com olhos azuis que focavam apenas na bebida. Geralmente vestia um sobretudo
bege, sem adereços, acessórios ou maquiagem. Muito discreta e sempre sozinha.
Chegava por volta 1 hora da manhã e chamava o garçom pedindo a primeira garrafa
e assim se passavam horas entre uma garrafa e outra.
Naquele dia já se aproximava do fechamento, eram 4h30 da manhã e o
movimento diminuía visivelmente. Os três seguranças se posicionavam do lado de
fora e próximos à porta, observando e organizando a saída dos clientes. Algumas
confusões ocorreram em outros dias, por isso a nova postura.
Do lado de dentro era o momento “fim de noite”. Hora de fechar contas, consumir uma última carreira ou dose, e
até mesmo tentar uma última investida para quem não quisesse dormir sozinho:
— A garota está sozinha? — O rapaz se aproximou galanteador.
Pouco cambaleante ela ergueu a cabeça que estava apoiada sobre os
antebraços e estes sobre a mesa, o olhou por algum tempo para respondeu:
— Vê mais alguém aqui? — Foi irônica.
Ele ignorou a acidez da resposta e prosseguiu com a tentativa:
— Talvez eu possa ajudá-la a chegar em cas...
Mas ela ficou de pé e interrompeu a frase:
— E ser levada para cama por um fracassado como você? Não preciso
diss…
O soco no queixo a atingiu sem aviso, jogando-a no chão. Irritado
o rapaz a chutou mais algumas vezes, antes que a gerente se aproximasse
engatilhando o rifle calibre 12 e fazendo mira nele:
— Deixe ela em paz!
Ele cessou com as agressões e, quando a mulher olhou para a garota
agredida para avaliar a situação, aproveitou para fugir por entre as mesas e a
escuridão do local.
— Daniel, faça o fechamento! — Ordenou ajudando a cliente a se
levantar. — Por hoje acho que é só.
— Precisa de ajuda com ela?
Se aproximou e a gerente passou a arma para ele.
— Não. Pode deixar. Obrigada!
O funcionário fez como o ordenado, e ela voltou-se para a garota:
— Venha! Deixe-me ajudá-la.
— Não precisa… estou… bem — disse a garota sem conseguir se pôr em
pé.
— Mesmo assim. Permita-me.
A proprietária a sustentou por baixo do braço, já que a cliente
era mais alta. Assim caminharam por um corredor para o depósito, subindo por
uma escada mais ao fundo.
— Para onde vamos?
— Tenho um kit de primeiros socorros em casa.
— Casa? Onde? — perguntou ainda zonza.
— Aqui em cima. Quando aluguei o prédio, essa sala estava inclusa
no contrato, então preferi utilizá-la já que fazia parte do aluguel. Não é
grande, mas o suficiente para quem mora só.
Ela destrancou a porta e acendeu as luzes, revelando o ambiente
aconchegante, sem divisões entre sala, quarto, cozinha e área de serviço.
Entraram e ela trancou a fechadura.
— Bela casa — elogiou a recém-chegada.
— Obrigada! Agora vamos ver esses ferimentos. — A guiava para o
banheiro.
— Não é necessário. Eu estou bem.
— Mas o seu nariz está sangrando — disse pegando a caixa de
primeiros socorros num armário abaixo da pia. — Deixe-me dar uma olhada.
Sem mais resistência ela permitiu:
— Sempre ajuda estranhas? — perguntou enquanto tinha o nariz
higienizado.
— Não por isso. O meu nome Jeny e o seu?
Não teve tempo de ouvir a resposta, pois a garota vomitou toda a
bebida que havia ingerido, e em seguida escorregou no próprio vômito.
— Meu Deus!
— Por favor, me desculpe! — disse caída e sem equilíbrio para se
levantar.
— Tudo bem! Não se preocupe! Não se preocupe!
Levou-a para dentro do box e abriu a ducha. Embaixo da água
desabotoou o sobretudo expondo o uniforme militar. Na placa sobre o bolso
ela leu:
— Sargento de Pessoal, Ann.
Bom, acho que agora não somos mais tão estranhas.
Mas a garota não respondeu, pois estava atônita. Então Jeny correu
à cozinha e trouxe um banquinho para o banheiro. Lá terminou de despir Ann e
sentou-a para que pudesse lhe dar banho.
— Os chutes lhe renderão manchas roxas por algumas semanas —
constatou ao vê-la nua.
— Eu não… Eu…
— Calma. Está tudo bem. Você está segura agora.
Enxugou-a com uma toalha que estava próxima e correu ao quarto
buscando um roupão. Em seguida levou a garota para a sala e sentou-a sobre o
sofá.
— Aqui é bem confortável. Eu já volto.
Jeny limpou o banheiro e, ao terminar, também tomou banho. Quando
retornou para a sala, Ann estava apagada sobre o sofá.
— Acho que confortável até demais.
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