Boin - Capítulo 029

A mando de seu patrão, Raul montou campana, próximo ao prédio, em uma praça pouco ao lado, onde ameixeiras tapavam a visão dos andares mais altos, mas não a da entrada. Em parte, era o que precisava. Com um jornal em uma mão e um celular na outra, ele vigiava. Já conhecia de vista os moradores que precisavam de sua especial atenção. Viu quando mais um dos residentes chegou. Um rapaz que entrou e logo acendeu a luz de seu apartamento. Ele ficava ao lado do apartamento que ele vigiava. Viu também quando, 30 minutos depois, chegou uma moça. Essa ele não conhecia de vista.

— Talvez uma visitante.

Com fome, Raul foi até o carrinho de cachorro quente e pediu 2. Era um turno extenso e não sabia quando sairia. Dependia do seu chefe.

Já no apartamento, quando o rapaz acabara de escovar os dentes para dormir, alguém bateu à porta. Ele abriu:

— Firela!

— Pedro.

— Aconteceu algo? — Ele teve uma ponta de preocupação.

— Eu posso entrar? — O rapaz hesitou por um instante e ela reforçou: — Por favor!

Ele deu passagem e, mal ela passou a porta, se virou sobre ele e o beijou prensando-o contra a entrada. O perfume levemente adocicado invadiu suas narinas e ele sentiu um momento de felicidade. Por isso correspondeu ao beijo, mas cessou.

— Firela…

— Não diga que não me quer.

Sim, ele a queria.

— Mas apenas sexualmente? É muito mais que isso. E não o temos, Firela.

Numa última jogada, ela abriu o sobretudo expondo o belo corpo, usando apenas calcinha e sutien e, na sequência, se lançou sobre ele. Os corpos juntos, se aqueceram brevemente, até que ele a afastou.

— Vem, Pedro! Eu sei que você quer e precisa.

— Não quero apenas para isso. Vai ser apenas um momento, e depois? Voltamos às discussões? À insatisfação? — E falou com calma: — Você pode encontrar alguém que tenha mais a ver contigo. Que vai caminhar alinhada contigo. Firela, olha pra mim, olha pra minha casa.

Ela entendia que Pedro não tinha ambição para as coisas da vida. E realmente, às vezes, isso a incomodava.

Com os olhos marejando ela fechou a roupa, arrumou a bolsa no ombro, abriu a porta e saiu. Ele sentiu alívio, não por si, mas por ela. Eram diferentes demais. Fato! E, por mais que os opostos se atraiam, essas diferenças para um relacionamento longo, são como veneno, administrado em pequenas doses diárias.

Pedro abriu as janelas da sala e deixou uma brecha na janela do quarto, para ventilar e tirar um pouco da fragrância adocicada de Firela.

Tudo isso se passou sob o olhar atento da entidade que, aguardando o seu momento, já estava no apartamento fazia algum tempo.

O rapaz se sentou na cama e ficou reflexivo quanto à situação com a ex-namorada. Aquilo lhe incomodava.

“Será que a emoção atrapalha a sua forma de pensar?”

Ele deitou, mas não conseguiu dormir rapidamente. Os pensamentos quicavam em sua ment, de um lado para o outro até que, num ímpeto, se levantou e vestiu sua roupa e foi para a porta. Iria atrás de Firela. Mas desistiu:

“Ficará melhor sem mim.”

E, vestido mesmo, se deitou e, depois de um período, dormiu.

 

Passou a mão nos cabelos, vendo os galhos de árvores, contrastando, em um céu claro logo acima. Sentiu a grama ao seu redor, tão macia e agradável quanto o seu edredom. Deitado, ele rolou para o lado e se apoiou sobre os cotovelos. Assim pode ver, muito distante, o elevado onde estivera.

“É um sonho.”

Já não se esforçava em entender alguns acontecimentos. Se sentou olhando para os lados. A temperatura era agradável e a vegetação ainda pequena, com bastante espaçamento entre as plantas. Se sentia satisfeito com o lugar e com o que via.

A caminhada teve reinício e, rapidamente, mais mudanças na paisagem. As árvores aumentaram, tanto de tamanho quanto de largura. As copas agora atingiam facilmente quinhentos metros, talvez mais, já que até a coloração das folhagens lá de cima atenuavam. Mas não eram essas as mais altas.

“Dá pra construir uma casa ali”

Calculou ao ver uma com tronco muito grosso e galhos muito ramificados. Mas depois de um tempo, viu várias como aquela primeira. Percebeu também muitas diferenças entre as árvores. Havia troncos, com escamações diversas e cores sortidas, ao menos 5 cores. As folhas também variavam muito, sendo possível ver pequenas, finas, claras, duras, grandes, rotundas, escuras, moles. E estas sim, mudavam bastante em cores. Contudo, não via frutos.

“Que estranh…”

Parou de súbito ao ouvir um som agudo e cortante, como se uma lâmina fosse desembainhada. Em seguida, barulho de madeira se quebrando e rangendo, além de muitas folhas sendo mexidas. Pedro teve uma sensação de desespero crescente, que só cessou ao ver a gigante árvore tombando poucos metros diante dele. Ela desceu destruindo árvores menores, abrindo enorme cratera no chão e erguendo uma nuvem de poeira e folhas. Com o tremor, o rapaz caiu ao chão. Sentado, olhou para o grande corpo que agora jazia diante dele. O tronco, deitado, era muito alto, sendo inviável escalá-lo. Também era muito cumprido, o que lhe faria dar grande volta. Um incômodo o tocou ao pensar em como aquilo acabara de acontecer. Contudo percebeu que, na direção apontada pela copa da árvore caída, o caminho era mais aberto, e foi por ali. Caminhou por longo trecho, até que ouviu o som de muitas águas e, após vencer um trecho de mata mais fechada, encontrou uma grande foz. Dali via as mais belas quedas d’água, além vários outros rios, que pareciam calculados em seus caminhos, como se procurassem alcançar o máximo de lugares possíveis: morros, vales, planaltos, campinas. E o mais impressionante, o que fez os olhos de Pedro brilharem: as ilhas flutuantes.

“S-u-r-r-e-a-l!”

Desejou ter asas e voar. Ter a liberdade dos pássaros e ir lá curiar. Foi olhando assim, distante e na linha do horizonte, que viu um ponto brilhante. Depois apareceu outro e mais outro e, de repente, eram vários, incontáveis. Em coloração avermelhada e vívida. Pensativo, sentou recostado em uma pedra e acordou.

 

[Mais das Quedas d’Água de Celiel]

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