O feriado deixou a cidade em polvorosa. Um dos locais mais
frequentados nessa data era a praia de Beren,
a quase 50 quilômetros dali. Essa empolgação também tomou a família Andrade.
— Vamos, meninas! Já prepararam suas coisas?
Elas desciam as escadas com mochilas e sacolas.
— Sim, pai! — respondeu Renata.
— Deus amado! Não estamos nos mudando, voltaremos ao final da
tarde.
Atrás, descia Elizabeth:
— O que você disse? — Usou uma voz mais grave e depois desatou a
rir. — Considere que somos três mulheres.
— Ah, eu considero. Não é à toa que o nosso carro é uma minivan.
Todos riram.
Colocadas bolsas, sacolas, isopores e apetrechos, Mario pediu:
— Garotas, uma na frente e a outra atrás do veículo. Vamos testar
a parte elétrica.
— Pai, os faróis não acendem — falou Bruna.
— O que terá acontecido? — questionou a esposa.
— Realmente eu não sei. E com essa pressa… — Disparou: — Vamos
procurar uma oficina.
Bruna sorriu, dizendo:
— Eu conheço uma, pai. Uma aluna lá da escola me disse que eles
trabalham bem e têm bom preço.
— Tomara que esteja aberta.
A viagem foi rápida, em menos de dez minutos o veículo estacionava
na frente da oficina Tony Auto Atendimento. Claro que o dono não estava, e
claro que os demais funcionários também não estavam, mas o local permanecia
aberto e, de dentro do escritório, saiu um rapaz. Ao reconhecê-lo, Renata entendeu
o que pretendia a irmã. Agora não havia muito o que ela pudesse fazer, já que o
pai havia descido.
Em silêncio, Renata desembarcou e fixou os olhos em Rainen.
Recostada no carro da família, ela não tinha mais ação, apenas um pensamento:
“Ele está aqui.”
Agora toda a sua atenção estaria nele.
— Olá! Bom dia!
— Bom dia! — o jovem respondeu, sério.
— O veículo não acende os faróis. Você pode dar uma olhada?
— Claro! Por favor, destrave o capô.
Mario puxou a alavanca e a tampa quicou. Rainen a suspendeu e travou,
deixando o motor exposto. Pela parte interna, verificou dos conectores das
lâmpadas aos fios. Nada encontrou. Seguiu os fios para constatar algum
rompimento, mas estavam intactos. Enquanto fazia isso, Renata se mantinha
atenta a cada movimento, e sua mãe percebeu. Os intentos de Bruna começavam a
se concretizar.
Rainen caminhou até a bancada e pegou uma lanterna. Voltou ao
veículo, cumprimentou os presentes e se agachou para iluminar a caixa de
fusíveis que ficava abaixo do painel.
— O senhor pode ficar na frente do veículo? Vou testar um por um,
me avise quando acender.
— Ok!
Testou todos os fusíveis da caixa, mas nada aconteceu.
— Esse está difícil.
— Acho que voltaremos para casa — confidenciou Mario, diante da
não solução do problema.
Naquele instante, Rainen olhou para Renata e sentiu um benfazejo,
mas manteve o foco:
— Não, espere. — O rapaz olhou a logo do veículo e correu até um
dos armários. — Pode ser a falta de um fusível.
— E como ter certeza?
— Temos o manual desse carro, deixe-me encontrá-lo. — E passava
caderno após caderno. — Aqui!
Sobre a bancada, ele o folheou até localizar a figura com a caixa
de fusíveis. Mario observava a desenvoltura do rapaz, que agora voltava ao
veículo com a revista em mãos. Ali comparou e constatou o que suspeitava:
— Está sem o fusível.
— E você tem essa peça aí?
— Vamos ver.
Sob o olhar atento dos presentes, ele foi até um gaveteiro e, numa
dos compartimentos, procurou e encontrou o componente. Voltou ao veículo,
encaixou e girou o botão. De imediato, os faróis se acenderam. Aproveitou para
testar as lanternas e as luzes de freio e ré.
— Está pronto. Podem seguir viagem. — Havia satisfação em sua voz.
— Parabéns! Salvou o nosso feriado. Quanto custa o serviço?
— Não custa nada.
— Como não custa nada? Preciso pagar pelo seu serviço.
— Não precisa mesmo. O senhor é pai da Renata e da Bruna.
Mario olhou novamente para o rapaz.
— Você conhece minhas filhas?
— Sim, senhor. Estudamos no mesmo colégio.
— Eu não sabia. E o que você faz aqui, em pleno feriado?
— Estou aproveitando para terminar alguns serviços, já que durante
a semana a escola e o curso técnico tomam bastante o meu tempo.
O pai de Renata e Bruna se admirou ainda mais:
— Deixe-me ver se entendi. Você faz o ensino médio, um curso
técnico e também trabalha.
— Sim, senhor.
— Me chame de Mario. Qual o seu nome?
— Rainen.
Os rumos daquela conversa não agradavam Bruna.
— E pretende fazer universidade, Rainen?
— É claro, mas no momento preciso trabalhar, e a forma mais rápida
de entrar no mercado de trabalho é através do curso técnico.
— Você está cer…
— Pai, não está na hora de irmos? — interrompeu Bruna, um pouco
nervosa.
As coisas não saíram como ela imaginara.
— Tem razão, tem razão. Rainen, foi um prazer conhecê-lo, e
obrigado por tudo.
Ao baixar o capô, Rainen desviou a atenção e olhou para Renata,
então a parte metálica bateu em sua mão e fez um pequeno corte. Percebendo o
ocorrido, a garota correu para vê-lo:
— Você se machucou — disse, segurando a mão do rapaz e vendo o
sangue sair pela ferida.
— Não foi nada.
— Tem uma caixa de primeiros socorros aqui? — Renata não soltava a
sua mão.
— Não precisa.
Mario, que estava atento a tudo, se aproximou:
— Podemos te levar até um pronto-socorro.
Diante das proporções que as coisas assumiam, Rainen recuou:
— Acho que temos uma caixa, sim — respondeu, olhando para os lados
e apontou. — Ali.
Renata caminhou até lá e pegou o kit.
— Prefiro um curativo a ter que enfrentar uma fila no hospital.
— Ótimo, então deixe que ela limpe esse ferimento — pediu o pai da
garota.
O jovem casal foi mais para o fundo e, sob uma das luminárias,
Renata higienizou o corte, preparando-se para fazer o curativo.
— Como você trabalha com metais, químicos e resíduos, isso pode
complicar — a garota explicou.
— Complica mais ficar tanto tempo sem te ver — ele falou mais
baixo.
Renata tremeu e os olhos marejaram:
— O que… o que você disse?
Ela passou mais anticéptico na ferida, ao mesmo tempo em que
sentia o próprio coração acelerado.
— A verdade que sabemos. — E Rainen sorriu.
— Não sei o que te dizer.
— Não precisa. Seus olhos falam por você.
Ela prendeu a gaze com esparadrapo, e agora respirava mais forte.
— Não sei o que você percebe deles, mas é a verdade.
Renata terminou o curativo, tendo dificuldade em soltar a mão do
rapaz.
— Ficou muito bom. Obrigado! — Ele sorriu. — Agora vá, seus
familiares aguardam por você.
Enquanto eles se despediam, dentro do carro, Elizabeth conversava
com o seu esposo:
— Mario, precisamos ter uma conversa séria com a Renata.
— Você tem razão. O quanto antes — concordou o marido.
— O mal é cortado pela raiz — completou a esposa.
Ouvir aquilo fez Bruna sentir que teria o melhor feriado de sua
vida.
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