Ardes - Capítulo 004


Seis meses depois de ouvir aquela conversa, sua vida estava mais corrida. Compactou os espaços livres que tinha entre o colégio, as atividades complementares e as físicas, e agora fazia um curso técnico. Sim, ao ouvir a conversa entre seus pais, resolveu que mudaria os rumos de sua vida. Logo após o seu aniversário de 17 anos, seus pais o chamaram para conversar e expuseram toda a situação: não conseguiriam pagar seu curso na universidade. O que impactaria a sua vida profissional por longo tempo.

“Talvez para sempre”, calculou após ouvi-los.

— Estamos um pouco sem opção, meu filho.

Pai e mãe estavam desolados, então o rapaz falou:

— Não se preocupem. Posso cursar o nível superior mais à frente. Até porque faz pouco tempo que iniciei um curso técnico e me formarei em alguns meses.

Sorriram com a iniciativa do rapaz. A mãe o abraçou querendo chorar.

— Meu filho, por favor, nos perdoe! — Os olhos de sua mãe marejaram.

— Não se preocupe, dona Letícia, dará tudo certo.

O pai tocou o seu ombro.

— Você me impressiona. — E sorriu para o filho.

Foi das poucas vezes que teve um diálogo mais aberto com o pai.

Seguro quanto aos conhecimentos adquiridos no curso, Rainen tomou a iniciativa e foi conversar com o dono da oficina.

— Trabalhar aqui? — Tony o olhou de cima a baixo. — Tem ao menos idade para isso, garoto?

— Idade não, mas sou curioso e aprendo rápido.

— Não é isso. Sabe que é ilegal ter um funcionário menor de idade?

— Li a legislação. Ela não impede que você contrate um aprendiz, com horário e pagamento diferenciado — informou.

— Bom argumento, rapaz! E você tem algum conhecimento nessa área? Talvez prática?

— Prática não, mas leio bastante sobre o assunto.

— Como é que é? Você lê? — Impressionou-se o dono da oficina.

— Sempre gostei de mecânica automotiva e, nesse último semestre, me aprofundei no segmento, tanto que, dentro de 7 meses, terminarei um curso técnico dentro da área.

Tony sentiu o potencial do jovem e não teve como lhe negar a vaga.

— Cazzo! Tudo bem! Você pode vir das 15h às 19h para fazermos um teste. Mas… e seus pais?

— Gostaria que eles ainda não soubessem, só por enquanto.

— Não por mim. Te aguardo na segunda-feira.

— Até segunda.

Essa etapa foi tranquila. A partir daquele momento, organizou os seus horários e fez o possível para que desconfiassem de nada em sua casa. Por isso pensou:

“Não ainda.”

E precisou inventar algo.

— Horas complementares? — questionou a mãe.

— Sim, que serão utilizadas tanto para o secundário quanto para o curso técnico.

— Tem certeza, filho?

— Não se preocupe, mãe, apenas confie em mim. — Sorriu e a abraçou.

— Tudo bem, eu confio.

Conversar com ela não foi difícil, mas fazer o mesmo com uma garota poderia ser mais trabalhoso. E por aqueles dias ele manteve especial atenção todas às vezes que entrou na lanchonete, sentando-se em lugares diferentes e observando o quadrante que marcou como referência.

Na quinta-feira, ele viu uma pessoa sentada à mesa, com um porte físico que lhe era familiar.

“Talvez seja ela.”

Avaliou, aproximou-se e sentou-se ao seu lado:

— Te trouxe uma laranja — puxou conversa.

Ela o olhou com desprezo:

— Te pedi alguma coisa? Ou minha aparência é tão depreciada que chama a piedade?

As perguntas trouxeram espanto ao seu olhar:

— Algo aconteceu para te deixar tão alterada?

Mais irritada ela esbravejou:

— Está me chamando de destemperada?

— Eu só quis ser agradáv…

— Guarde o seu querer e a sua agradabilidade para quem você conheça!

Não acreditava no que ouvia. Como uma pessoa, outrora tão encantadora, estava agora tão irritadiça e agressiva? Ele ficou sem reação.

— Precisa… que realmente… fale desse jeito? — exprimiu, com dificuldade.

Então uma terceira voz se juntou ao pequeno desentendimento. Essa veio pelas suas costas, passando tranquilidade e satisfação. De imediato, reconheceu o tom. Levou um segundo para ele se desvincular da primeira situação e olhar para trás. A sua surpresa foi grande:

— Agora entendo tudo.

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