Seis meses depois de
ouvir aquela conversa, sua vida estava mais corrida. Compactou os espaços
livres que tinha entre o colégio, as atividades complementares e as físicas, e
agora fazia um curso técnico. Sim, ao ouvir a conversa entre seus pais,
resolveu que mudaria os rumos de sua vida. Logo após o seu aniversário de 17
anos, seus pais o chamaram para conversar e expuseram toda a situação: não
conseguiriam pagar seu curso na universidade. O que impactaria a sua vida
profissional por longo tempo.
“Talvez para sempre”,
calculou após ouvi-los.
— Estamos um pouco
sem opção, meu filho.
Pai e mãe estavam
desolados, então o rapaz falou:
— Não se preocupem.
Posso cursar o nível superior mais à frente. Até porque faz pouco tempo que
iniciei um curso técnico e me formarei em alguns meses.
Sorriram com a
iniciativa do rapaz. A mãe o abraçou querendo chorar.
— Meu filho, por
favor, nos perdoe! — Os olhos de sua mãe marejaram.
— Não se preocupe,
dona Letícia, dará tudo certo.
O pai tocou o seu
ombro.
— Você me impressiona. — E sorriu para o filho.
Foi das poucas vezes
que teve um diálogo mais aberto com o pai.
Seguro quanto aos
conhecimentos adquiridos no curso, Rainen tomou a iniciativa e foi conversar
com o dono da oficina.
— Trabalhar aqui? —
Tony o olhou de cima a baixo. — Tem ao menos idade para isso, garoto?
— Idade não, mas sou
curioso e aprendo rápido.
— Não é isso. Sabe
que é ilegal ter um funcionário menor de idade?
— Li a legislação.
Ela não impede que você contrate um aprendiz, com horário e pagamento
diferenciado — informou.
— Bom argumento,
rapaz! E você tem algum conhecimento nessa área? Talvez prática?
— Prática não, mas
leio bastante sobre o assunto.
— Como é que é? Você lê?
— Impressionou-se o dono da oficina.
— Sempre gostei de
mecânica automotiva e, nesse último semestre, me aprofundei no segmento, tanto
que, dentro de 7 meses, terminarei um curso técnico dentro da área.
Tony sentiu o
potencial do jovem e não teve como lhe negar a vaga.
— Cazzo! Tudo bem!
Você pode vir das 15h às 19h para fazermos um teste. Mas… e seus pais?
— Gostaria que eles
ainda não soubessem, só por enquanto.
— Não por mim. Te
aguardo na segunda-feira.
— Até segunda.
Essa etapa foi
tranquila. A partir daquele momento, organizou os seus horários e fez o
possível para que desconfiassem de nada em sua casa. Por isso pensou:
“Não ainda.”
E precisou inventar
algo.
— Horas
complementares? — questionou a mãe.
— Sim, que serão
utilizadas tanto para o secundário quanto para o curso técnico.
— Tem certeza, filho?
— Não se preocupe,
mãe, apenas confie em mim. — Sorriu e a abraçou.
— Tudo bem, eu
confio.
Conversar com ela não
foi difícil, mas fazer o mesmo com uma garota poderia ser mais trabalhoso. E
por aqueles dias ele manteve especial atenção todas às vezes que entrou na
lanchonete, sentando-se em lugares diferentes e observando o quadrante que
marcou como referência.
Na quinta-feira, ele
viu uma pessoa sentada à mesa, com um porte físico que lhe era familiar.
“Talvez seja ela.”
Avaliou, aproximou-se
e sentou-se ao seu lado:
— Te trouxe uma
laranja — puxou conversa.
Ela o olhou com
desprezo:
— Te pedi alguma
coisa? Ou minha aparência é tão depreciada que chama a piedade?
As perguntas
trouxeram espanto ao seu olhar:
— Algo aconteceu para
te deixar tão alterada?
Mais irritada ela
esbravejou:
— Está me chamando de
destemperada?
— Eu só quis ser agradáv…
— Guarde o seu querer
e a sua agradabilidade para quem você conheça!
Não acreditava no que
ouvia. Como uma pessoa, outrora tão encantadora, estava agora tão irritadiça e
agressiva? Ele ficou sem reação.
— Precisa… que
realmente… fale desse jeito? — exprimiu, com dificuldade.
Então uma terceira voz se juntou ao pequeno desentendimento. Essa veio pelas suas costas, passando tranquilidade e satisfação. De imediato, reconheceu o tom. Levou um segundo para ele se desvincular da primeira situação e olhar para trás. A sua surpresa foi grande:
— Agora entendo tudo.
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